Friday, 8 November 2019

Os Pareceres Vinculativos – Acórdão nº01138/04 de 9 de Fevereiro de 2005


Bernardo Dinis Narciso, nº56958

O presente acórdão aborda o recurso contencioso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, interposto por um médico e um arquitecto, que tinham como objectivo pedir a anulação de um despacho proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Sesimbra, que indeferiu o pedido de licenciamento da construção de uma moradia em prédio de que os autores eram proprietários. No seguimento da petição proferida pelos autores, onde justificam a sua pretensão, a Autoridade Recorrida veio justificar a sua decisão através de vários argumentos, sendo que aquele que mais nos interessa para a matéria em análise é o parecer desfavorável e vinculativo dado pela DRARNLVT (Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo), tendo em conta os argumentos levantados pela Autoridade Recorrida, o Tribunal decidiu não dar provimento ao recurso.
Inconformados com o julgamento, os autores decidiram recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, que relativamente ao parecer desfavorável e vinculativo emitido pela DRARNLVT determinou a seguinte consideração: tendo esta Direcção Regional sido ouvida nos termos do artigo 17º, nº1 e 2 do Decreto-lei 93/90 e não se tendo pronunciado expressamente no prazo legal que dispunha para o efeito, então houve lugar a uma aprovação tácita do projecto dos Recorrentes, conforme o disposto no artigo 17º, nº2 do Decreto-lei 93/90, nesta medida, as aprovações tácitas de projectos não podem ser consideradas como aprovações nulas, conforme o determina o artigo 15º do Decreto-lei 93/90. No final, o Supremo Tribunal Administrativo acabou por considerar a sentença recorrida ilegal, e desse modo, acaba por ser revogada.

A questão levantada no caso faz referência ao parecer que é pedido à Direcção Regional em 25/10/1996. No âmbito do parecer, a Direcção Regional entende que não existindo qualquer Plano de Ordenamento da Orla Costeira, nem Plano de Ordenamento Municipal em vigor, o licenciamento municipal de obras a realizar na zona terrestre de protecção carece de parecer favorável da Direcção Regional, conforme o disposto no artigo 12º, nº3 do Decreto-lei 309/93. Atendendo às características da pretensão, que se localiza numa arriba com 40% de declive, esta Direcção Regional considera que a obra não é insusceptível de prejudicar o equilíbrio ecológico da zona, bem como o mesmo virá contrariar alguns objectivos do Anexo II do Decreto-lei nº309/93, tendo assim emitido um parecer desfavorável. Os autores virão reclamar deste parecer junto da Câmara Municipal de Sesimbra, a qual virá pedir um parecer ao seu departamento jurídico, neste sentido, o consultor jurídico conclui em sentido de aprovação do projecto, uma vez que a decisão da Direcção Regional não foi expedida no prazo legal, o que conduz a uma aprovação tácita desse projecto, nesta medida, e ainda que a Câmara de Sesimbra tenha pedido uma reapreciação que acabou por resultar em novo parecer desfavorável, esta reapreciação só poderia ser de reprovação se apresentasse alguma ilegalidade na aprovação tácita, o que não aconteceu.

A grande questão debatida pelo Tribunal e que é o centro da nossa exposição é a seguinte: o silêncio da Direcção Regional deve ser interpretado como aprovação definitiva do projecto, e que a pronuncia expressa e extemporânea, em sentido discordante é irrelevante, devendo a Câmara considerar o projecto definitivamente aprovado, ou será que esta pronúncia extemporânea é revogatória do deferimento tácito, e poderá ser utilizado pela Câmara para servir de fundamento ao indeferimento? Neste quadro, devemos procurar saber qual a natureza deste ato que é proferido pela Direcção Regional, uma vez que o mesmo terá implicações no licenciamento das obras dos particulares, neste sentido, Marcelo Caetano entendia que “o parecer é a proposta de resolução de um processo administrativo formulada, sobre o seu estudo fundamentado, por um colégio consultivo ou por consultor singular perito na matéria a decidir[1], contudo este é um caso em que a Direcção Regional deve proferir parecer vinculante, estando a Câmara Municipal obrigada a homologar o mesmo, logo estamos perante um ato definitivo, não esquecendo que para ser executado terá de ser homologado, por outro lado, Vasco Pereira da Silva professa um entendimento diferente, começando por determinar que no “novo mundo” do procedimento se torna obsoleta a ideia de um ato administrativo em sentido amplo, um ato administrativo: “meramente produtor de efeitos jurídicos”. O autor entende que os pareceres vinculativos podem ser recorridos, pois os mesmos afectam de forma definitiva a liberdade decisória da autoridade que irá proferir a decisão, acrescenta ainda mais, entende que a decisão é o resultado de um procedimento, em que irão intervir autoridades administrativas muito diversas, sendo que os diversos estados desse procedimento que afectem os particulares devem ser autonomamente impugnáveis, tal como o respectivo ato final[2].

Ainda antes de prosseguirmos a análise das consequências deste acórdão, devemos determinar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo está também divida relativamente à matéria. Uma das partes defende a ideia de não ser possível recorrer estes atos interlocutórios[3], por outro lado, a outra parte entende que deve ser possível recorrer estes atos[4]. Face a esta divergência que existe a nível da própria jurisprudência, Vasco Pereira da Silva diz: “(…) a solução de admitir a recorribilidade de atos administrativos lesivos em qualquer estádio do procedimento seja não apenas teoricamente mais correta, mas também mais conforme com o direito português.[5], neste sentido vai a maioria dos Tribunais, concluindo que os pareceres obrigatórios e vinculativos emitidos por órgãos pertencentes a entidades estranhas à entidade com competência para proferir a decisão final, constituem atos prejudiciais do procedimento, ou seja, terão as características previstas no antigo artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo, que dispunha o seguinte: “Para os efeitos da presente lei, consideram-se atos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, assim estes atos serão recorríveis, pois os seus efeitos lesivos reflectem-se directa e imediatamente na esfera jurídica do particular.

A actual redacção é a do artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo, que apesar de alterar a letra, continuará a sustentar o mesmo entendimento. Para este efeito será relevante observar a anotação feita por Fernando Gonçalves, explicando que o elemento orgânico foi eliminado, e que a nova redacção acrescenta que os efeitos jurídicos produzidos, resultantes das decisões emanadas ao abrigo do poder jurídico-administrativo são externos.[6] Tendo em conta esta posição, que se consolidou na jurisprudência, e tendo por base a lógica de harmonia entre as decisões e coerência do julgamento, ao proferir o acórdão em causa o tribunal irá ter o mesmo em consideração e partilhará a sua opinião. Convêm dizer que nem sempre foi assim, a jurisprudência tradicional seguia o entendimento de Marcelo Caetano, isto significa que se entendia que os pareceres vinculativos não poderiam ser directamente impugnados[7].

A conclusão que daqui se retira, e nós partilhamos da opinião do Tribunal, bem como da doutrina de Vasco Pereira da Silva já aqui referida, a pronúncia que competia à Direcção Regional era obrigatória e tinha natureza vinculativa, uma vez que o próprio Decreto-lei 93/90, nos termos do seu artigo 17º determinava que as obras por ele mencionadas estavam dependentes da aprovação daquela entidade. Face a esta exposição que abordamos, o Supremo Tribunal Administrativo virá entender que cumpria aos recorrentes impugnar o ato desfavorável daquela Direcção Regional, sob pena de o não fazendo, o mesmo se consolidar na ordem jurídica. No caso apresentado, essa impugnação não foi feita, pois ainda que a decisão desfavorável da Direcção Regional tenha sido extemporânea ao prazo, a mesma irá manter-se apesar da contestação efectuada pelas partes, ao abrigo do antigo artigo 100º, nº1 do Código do Procedimento Administrativo, que dispunha o seguinte: “(…) os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sob o sentido provável desta.”, actualmente a redacção é a do artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo, que está bastante bem comentada por Fernando Gonçalves[8]. Este ato veio definir o direito aplicável nas relações jurídicas estabelecidas não só entre os órgãos da Administração em causa, ou seja a Câmara Municipal de Sesimbra e a Direcção Regional, mas também entre o município e os próprios recorrentes, pois ao emitir parecer desfavorável, a decisão não poderia ser outra que não a de indeferir o pedido, logo o parecer desfavorável torna-se um ato revogatório de um deferimento tácito prévio, pois o mesmo não foi impugnado. A Câmara Municipal de Sesimbra teria de decidir com base no parecer desfavorável, logo não existia nenhum tipo de ilegalidade quando indefere o ato. O Supremo Tribunal Administrativo decidiu improcedentes as conclusões que sustentam a anulabilidade do despacho recorrido.

Mário Aroso de Almeida entende que a legitimidade do requerente para impugnar o parecer vinculativo desfavorável é indiscutível, uma vez que a utilidade retirada pelo interessado é pessoal, no acórdão em questão, os recorrentes são proprietários de imóvel, no qual querem construir uma moradia, o interesse que retiram da declaração de nulidade é puramente pessoal, contudo, parece duvidoso que os mesmos sejam detentores de um interesse directo em impugnar, pois é questionável que exista uma situação efectiva de lesão que fundamente a necessidade de recorrer a um mecanismo impugnatório. Os pareceres vinculativos decidem em que sentido devem agir os órgãos que estão abrangidos por eles, logo esses mesmos órgãos podem impugná-los, no entanto, os efeitos do parecer vinculativo acabam por se esgotar no âmbito das relações que se desenvolvem entre os órgãos, logo não parece que o requerente que aguarda a decisão final tenha interesse directo em proceder à impugnação do mesmo[9].

A nossa posição é mais permissiva que a posição defendida pelo Professor Mário Aroso de Almeida, neste sentido, somos também acompanhados pela jurisprudência. No nosso entender, a legitimidade do requerente para impugnar o parecer desfavorável vinculativo é indiscutível, uma vez que a utilidade que o requerente retira da declaração de nulidade é pessoal, que ele reivindica para si próprio, o que estava preenchido no acórdão em análise, uma vez que os recorrentes queria a construção de uma casa em terrenos de sua propriedade, mas também porque o requerente é detentor de um interesse directo, o teor do parecer desfavorável irá afectar directamente a esfera jurídico dos recorrentes, que no caso do acórdão se verifica, pois os parecer desfavorável impedirá os mesmos de verem o seu projecto aprovado, neste sentido, entendemos que o Supremo Tribunal Administrativo teve um julgamento correto relativamente ao acórdão em causa.


[1] Caetano, Marcello – Manual de Direito Administrativo, Volume II – Edições Almedina, 1983 – Páginas: 1319 e 1320.
[2] Pereira da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo Perdido – Dissertação de Doutoramento.
[3] Acórdão de 07/05/96, recurso nº27.573.
[4] Acórdão de 11/07/96, recurso nº36.367.
[5] Pereira da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo Perdido – Dissertação de Doutoramento – Página: 705.
[6] Gonçalves, Fernando – Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado – Edições Almedina, 2017 – Artigo 148º.
[7] Acórdão de 10 de Novembro de 1998, processo nº41.389 e Acórdão de 9 de Novembro de 1999, processo nº31.568.
[8] Gonçalves, Fernando – Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado – Edições Almedina, 2017 – Artigo 121º
[9] Aroso de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo – Edições Almedina, 2017 – Páginas: 227, 228 e 229.



Bibliografia
. Caetano, Marcello – Manual de Direito Administrativo, Volume II – Edições Almedina, 1983;
. Freitas do Amaral, Diogo – Direito Administrativo, Volume III – Lisboa, 1985;
. Aroso de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo – Edições Almedina, 2017;
. Pereira da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo Perdido – Dissertação de Doutoramento;
. Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Edições Almedina, 2009;
. José Batalhão, Carlos – Novo Código de Procedimento Administrativo – Edições Almedina, 2017;
. Gonçalves, Fernando – Novo Código de Procedimento Administrativo - Edições Almedina, 2017.

Jurisprudência
. Acórdão de recurso nº27.573 de 7 de maio de 1996;
. Acórdão de recurso nº36.367 de 11 de Julho de 1996;
. Acórdão nº41.389 de 10 de Novembro de 1998;
. Acórdão nº31.568 de 9 de Novembro de 1999;

No comments:

Post a Comment

OS PROCESSOS URGENTES

Mariana Bernardo Catalino (24895) O CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL Considerando as diversas alterações ao CPTA, através do DL n...