Bernardo Dinis Narciso, nº56958
O presente acórdão aborda
o recurso contencioso para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa,
interposto por um médico e um arquitecto, que tinham como objectivo pedir a
anulação de um despacho proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de
Sesimbra, que indeferiu o pedido de licenciamento da construção de uma moradia
em prédio de que os autores eram proprietários. No seguimento da petição
proferida pelos autores, onde justificam a sua pretensão, a Autoridade
Recorrida veio justificar a sua decisão através de vários argumentos, sendo que
aquele que mais nos interessa para a matéria em análise é o parecer
desfavorável e vinculativo dado pela DRARNLVT (Direcção Regional do Ambiente e
Recursos Naturais de Lisboa e Vale do Tejo), tendo em conta os argumentos
levantados pela Autoridade Recorrida, o Tribunal decidiu não dar provimento ao
recurso.
Inconformados com o
julgamento, os autores decidiram recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo,
que relativamente ao parecer desfavorável e vinculativo emitido pela DRARNLVT
determinou a seguinte consideração: tendo esta Direcção Regional sido ouvida nos
termos do artigo 17º, nº1 e 2 do Decreto-lei 93/90 e não se tendo pronunciado
expressamente no prazo legal que dispunha para o efeito, então houve lugar a
uma aprovação tácita do projecto dos Recorrentes, conforme o disposto no artigo
17º, nº2 do Decreto-lei 93/90, nesta medida, as aprovações tácitas de projectos
não podem ser consideradas como aprovações nulas, conforme o determina o artigo
15º do Decreto-lei 93/90. No final, o Supremo Tribunal Administrativo acabou
por considerar a sentença recorrida ilegal, e desse modo, acaba por ser
revogada.
A questão levantada no
caso faz referência ao parecer que é pedido à Direcção Regional em 25/10/1996. No
âmbito do parecer, a Direcção Regional entende que não existindo qualquer Plano
de Ordenamento da Orla Costeira, nem Plano de Ordenamento Municipal em vigor, o
licenciamento municipal de obras a realizar na zona terrestre de protecção
carece de parecer favorável da Direcção Regional, conforme o disposto no artigo
12º, nº3 do Decreto-lei 309/93. Atendendo às características da pretensão, que
se localiza numa arriba com 40% de declive, esta Direcção Regional considera que
a obra não é insusceptível de prejudicar o equilíbrio ecológico da zona, bem
como o mesmo virá contrariar alguns objectivos do Anexo II do Decreto-lei
nº309/93, tendo assim emitido um parecer desfavorável. Os autores virão reclamar
deste parecer junto da Câmara Municipal de Sesimbra, a qual virá pedir um
parecer ao seu departamento jurídico, neste sentido, o consultor jurídico
conclui em sentido de aprovação do projecto, uma vez que a decisão da Direcção
Regional não foi expedida no prazo legal, o que conduz a uma aprovação tácita
desse projecto, nesta medida, e ainda que a Câmara de Sesimbra tenha pedido uma
reapreciação que acabou por resultar em novo parecer desfavorável, esta
reapreciação só poderia ser de reprovação se apresentasse alguma ilegalidade na
aprovação tácita, o que não aconteceu.
A grande questão debatida
pelo Tribunal e que é o centro da nossa exposição é a seguinte: o silêncio da
Direcção Regional deve ser interpretado como aprovação definitiva do projecto, e
que a pronuncia expressa e extemporânea, em sentido discordante é irrelevante,
devendo a Câmara considerar o projecto definitivamente aprovado, ou será que
esta pronúncia extemporânea é revogatória do deferimento tácito, e poderá ser
utilizado pela Câmara para servir de fundamento ao indeferimento? Neste quadro,
devemos procurar saber qual a natureza deste ato que é proferido pela Direcção
Regional, uma vez que o mesmo terá implicações no licenciamento das obras dos
particulares, neste sentido, Marcelo
Caetano entendia que “o parecer é a proposta de resolução de um
processo administrativo formulada, sobre o seu estudo fundamentado, por um
colégio consultivo ou por consultor singular perito na matéria a decidir”[1], contudo este é um caso em
que a Direcção Regional deve proferir parecer vinculante, estando a Câmara
Municipal obrigada a homologar o mesmo, logo estamos perante um ato definitivo,
não esquecendo que para ser executado terá de ser homologado, por outro lado, Vasco Pereira da Silva professa um
entendimento diferente, começando por determinar que no “novo mundo” do
procedimento se torna obsoleta a ideia de um ato administrativo em sentido
amplo, um ato administrativo: “meramente produtor de efeitos jurídicos”.
O autor entende que os pareceres vinculativos podem ser recorridos, pois os
mesmos afectam de forma definitiva a liberdade decisória da autoridade que irá
proferir a decisão, acrescenta ainda mais, entende que a decisão é o resultado
de um procedimento, em que irão intervir autoridades administrativas muito diversas,
sendo que os diversos estados desse procedimento que afectem os particulares
devem ser autonomamente impugnáveis, tal como o respectivo ato final[2].
Ainda antes de
prosseguirmos a análise das consequências deste acórdão, devemos determinar que
a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo está também divida
relativamente à matéria. Uma das partes defende a ideia de não ser possível
recorrer estes atos interlocutórios[3], por outro lado, a outra
parte entende que deve ser possível recorrer estes atos[4]. Face a esta divergência
que existe a nível da própria jurisprudência,
Vasco Pereira da Silva diz: “(…) a solução de admitir a
recorribilidade de atos administrativos lesivos em qualquer estádio do
procedimento seja não apenas teoricamente mais correta, mas também mais
conforme com o direito português.”[5], neste sentido vai a
maioria dos Tribunais, concluindo que os pareceres obrigatórios e vinculativos
emitidos por órgãos pertencentes a entidades estranhas à entidade com
competência para proferir a decisão final, constituem atos prejudiciais do
procedimento, ou seja, terão as características previstas no antigo artigo 120º
do Código do Procedimento Administrativo, que dispunha o seguinte: “Para os
efeitos da presente lei, consideram-se atos administrativos as decisões dos
órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”, assim estes
atos serão recorríveis, pois os seus efeitos lesivos reflectem-se directa e
imediatamente na esfera jurídica do particular.
A actual redacção é a do
artigo 148º do Código do Procedimento Administrativo, que apesar de alterar a
letra, continuará a sustentar o mesmo entendimento. Para este efeito será
relevante observar a anotação feita por Fernando
Gonçalves, explicando que o elemento orgânico foi eliminado, e que a
nova redacção acrescenta que os efeitos jurídicos produzidos, resultantes das
decisões emanadas ao abrigo do poder jurídico-administrativo são externos.[6] Tendo em conta esta
posição, que se consolidou na jurisprudência, e tendo por base a lógica de
harmonia entre as decisões e coerência do julgamento, ao proferir o acórdão em
causa o tribunal irá ter o mesmo em consideração e partilhará a sua opinião. Convêm
dizer que nem sempre foi assim, a jurisprudência tradicional seguia o
entendimento de Marcelo Caetano,
isto significa que se entendia que os pareceres vinculativos não poderiam ser
directamente impugnados[7].
A conclusão que daqui se
retira, e nós partilhamos da opinião do Tribunal, bem como da doutrina de Vasco Pereira da Silva já aqui
referida, a pronúncia que competia à Direcção Regional era obrigatória e tinha
natureza vinculativa, uma vez que o próprio Decreto-lei 93/90, nos termos do
seu artigo 17º determinava que as obras por ele mencionadas estavam dependentes
da aprovação daquela entidade. Face a esta exposição que abordamos, o Supremo
Tribunal Administrativo virá entender que cumpria aos recorrentes impugnar o
ato desfavorável daquela Direcção Regional, sob pena de o não fazendo, o mesmo
se consolidar na ordem jurídica. No caso apresentado, essa impugnação não foi
feita, pois ainda que a decisão desfavorável da Direcção Regional tenha sido
extemporânea ao prazo, a mesma irá manter-se apesar da contestação efectuada
pelas partes, ao abrigo do antigo artigo 100º, nº1 do Código do Procedimento
Administrativo, que dispunha o seguinte: “(…) os interessados têm o direito
de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser
informados, nomeadamente, sob o sentido provável desta.”, actualmente a
redacção é a do artigo 121º do Código do Procedimento Administrativo, que está
bastante bem comentada por Fernando
Gonçalves[8]. Este
ato veio definir o direito aplicável nas relações jurídicas estabelecidas não
só entre os órgãos da Administração em causa, ou seja a Câmara Municipal de
Sesimbra e a Direcção Regional, mas também entre o município e os próprios
recorrentes, pois ao emitir parecer desfavorável, a decisão não poderia ser
outra que não a de indeferir o pedido, logo o parecer desfavorável torna-se um
ato revogatório de um deferimento tácito prévio, pois o mesmo não foi
impugnado. A Câmara Municipal de Sesimbra teria de decidir com base no parecer
desfavorável, logo não existia nenhum tipo de ilegalidade quando indefere o
ato. O Supremo Tribunal Administrativo decidiu improcedentes as conclusões que
sustentam a anulabilidade do despacho recorrido.
Mário
Aroso de Almeida entende que a legitimidade do requerente
para impugnar o parecer vinculativo desfavorável é indiscutível, uma vez que a
utilidade retirada pelo interessado é pessoal, no acórdão em questão, os
recorrentes são proprietários de imóvel, no qual querem construir uma moradia,
o interesse que retiram da declaração de nulidade é puramente pessoal, contudo,
parece duvidoso que os mesmos sejam detentores de um interesse directo em
impugnar, pois é questionável que exista uma situação efectiva de lesão que fundamente
a necessidade de recorrer a um mecanismo impugnatório. Os pareceres
vinculativos decidem em que sentido devem agir os órgãos que estão abrangidos
por eles, logo esses mesmos órgãos podem impugná-los, no entanto, os efeitos do
parecer vinculativo acabam por se esgotar no âmbito das relações que se
desenvolvem entre os órgãos, logo não parece que o requerente que aguarda a
decisão final tenha interesse directo em proceder à impugnação do mesmo[9].
[1] Caetano,
Marcello – Manual de Direito Administrativo, Volume II – Edições
Almedina, 1983 – Páginas: 1319 e 1320.
[2] Pereira
da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo Perdido – Dissertação
de Doutoramento.
[3] Acórdão de 07/05/96, recurso
nº27.573.
[4] Acórdão de 11/07/96, recurso
nº36.367.
[5] Pereira
da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo Perdido – Dissertação
de Doutoramento – Página: 705.
[6] Gonçalves,
Fernando – Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e
Comentado – Edições Almedina, 2017 – Artigo 148º.
[7] Acórdão de 10 de Novembro de 1998,
processo nº41.389 e Acórdão de 9 de Novembro de 1999, processo nº31.568.
[8] Gonçalves,
Fernando – Novo Código do Procedimento Administrativo, Anotado e
Comentado – Edições Almedina, 2017 – Artigo 121º
[9] Aroso
de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo – Edições
Almedina, 2017 – Páginas: 227, 228 e 229.
Bibliografia
. Caetano, Marcello – Manual de Direito Administrativo, Volume
II – Edições Almedina,
1983;
. Freitas do Amaral, Diogo – Direito Administrativo, Volume
III – Lisboa, 1985;
. Aroso de Almeida, Mário – Manual de Processo Administrativo
– Edições Almedina, 2017;
. Pereira da Silva, Vasco – Em Busca do Ato Administrativo
Perdido – Dissertação de Doutoramento;
. Pereira da Silva, Vasco – O Contencioso Administrativo no
Divã da Psicanálise – Edições Almedina, 2009;
. José Batalhão, Carlos – Novo Código de Procedimento
Administrativo – Edições Almedina, 2017;
. Gonçalves,
Fernando – Novo Código
de Procedimento Administrativo - Edições Almedina, 2017.
Jurisprudência
. Acórdão de recurso
nº27.573 de 7 de maio de 1996;
. Acórdão de recurso
nº36.367 de 11 de Julho de 1996;
. Acórdão nº41.389 de 10
de Novembro de 1998;
. Acórdão nº31.568 de 9
de Novembro de 1999;
. Acórdão nº01138/04 de 9
de Fevereiro de 2005, disponível em:
https://blook.pt/caselaw/PT/STA/380825/?q=&sta=True&process_code=True&sort=hit_count&text_type=any&exact_date=09/02/2005
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