Monday, 16 December 2019

Da ação administrativa especial à nova ação administrativa

                                                               
Anna Verbytska nº56802 


O regime da nova ação administrativa constitui uma das mais importantes e expressivas alterações no direito processual administrativo.
Neste trabalho pretende-se desenvolver a ação administrativa e como esta surge nos dias de hoje e quais as diferenças anteriores à sua existência no processo administrativo.
Como diz o professor Mário Aroso Almeida, "assinala-se o atingimento da maioridade da justiça administrativa no nosso Estado de Direito Democrático".
O Código de Procedimento Administrativo de 2002 consagrava uma matriz bipolar do regime, existindo uma dualidade entre a ação comum e a ação especial a par das ações administrativas de natureza de processo declarativo não urgente artigo 37 ºa 96 ºCPTA . O sistema aprovado pelo DL 267/85 de 16 de julho contrapunha meios processuais principais e acessórios.
Ora surge, por um lado, a Ação Administrativa Especial destinada à impugnação de atos e regulamentos administrativos, e à condenação da Administração na prática de atos e por outro a Ação Administrativa Comum ,para todas as ações que não respeitem àquela forma de atuação administrativa e, consequentemente, àquela forma de processo .
Assim ,distinguiam-se diferentes tipos de pretensões que podiam ser deduzidas perante a jurisdição administrativa, quatro formas urgentes e duas formas de processo que se qualificavam como não urgentes que se designavam de ação comum e ação especial .
Esta dualidade é explicada pelo facto de se preservarem os elementos do modelo que estava estruturado em função da contraposição entre o recurso contencioso interposto dos atos de autoridade da Administração e o chamado contencioso das ações sobre contratos e responsabilidade civil das entidades públicas
A ação especial consistia na impugnação de atos e normas e na condenação administrativa na emissão desse tipo de atos, e os restantes casos eram tratados na ação administrativa comum . 
Contudo persistiam dúvidas quanto à ação comum pela negativa exclusão de outras formas processuais, assim surgiram duas vias :
1)  A unificação que consistia na solução assente num único meio de cariz processual e na solução baseada no processo civil . Uma das críticas feitas a esta corrente diz respeito ao facto de não ser razoável uma legislação contenciosa em prol desta solução .
2) Bipolar - A ação administrativa era estruturada em ação comum e ação administrativa especial no entanto não tinha carácter absoluto era relativa ou imperfeita .
Com os projetos de revisão do CPTA passou-se de uma bipolaridade imperfeita a uma unipolaridade acentuada .
O artigo 268/4CRP é fundamental pois mostra a afirmação de uma ação de plena jurisdição assente nos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas, “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.
Com a revisão de 2015 , a estrutura dualista foi afastada, os modos de processos que correspondiam às duas formas de processo, são juntas numa única a ação administrativa presente no artigo 37º CPTA . A ação administrativa veio substituir a dicotomia que opunha a ação administrativa especial à ação administrativa comum , estabelecendo um único modelo de tramitação unificando as formas do processo declarativo não-urgentes artigos 35º e 37º e ss CPTA . 
A forma do processo passou a ser a ação administrativa, sendo o modelo de tramitação a seguir tanto no plano da propositura como no do desenvolvimento subsequente e na decisão final pelo juiz, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição e que não sejam objetos de regulação especial .
O regime das formas de processo declarativo concretiza-se na previsão de uma forma que é o processo declarativo comum qualificado como não urgente e de cinco formas que o código denomina como urgente, artigo 36 ºdo CPTA .
A forma de processo não urgente é designada de ação administrativa e consta nos artigos 37º e ss, ao que acrescem os processos declarativos urgentes artigo 36 ºCPTA que são :
·       Contencioso eleitoral - 36 nº1 a) e artigos, 97º/1 a) e 98º CPTA -
O CPTA procurou autonomizar esta acção, nos seus artigos 97º/1/a) e 98º, como meio urgente e principal, de modo a garantir a utilidade das sentenças e a protecção eficaz dos interessados, que não acontecia de outro modo, sendo que a demora normal dos processos, na resolução de questões eleitorais, levava a que as sentenças de provimento não tivessem efeito útil, pois dificilmente seriam susceptíveis de execução específica.
No que diz respeito à legitimidade para intentar esta acção, cabe em exclusivo aos eleitores e elegíveis, incluindo as pessoas cuja inscrição foi omitida, nos casos de omissão nos cadernos ou listas eleitorais, artigo 98º/1 do CPTA. Contudo o prazo, o qual dispõe o artigo 98º/2 do CPTA, é de sete dias, a contar da possibilidade do conhecimento do acto ou omissão.
·       Contencioso dos procedimentos de massa- artigos 97/1 b) e 99ºCPTA
Este procedimento tem como objecto as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento, fixando para todas as situações um limiar de 50 participantes, art. 99º/1 CPTA.
 Quanto ao prazo para a propositura de ações de acordo com o nº2 do artigo 99º do CPTA é de um mês de modo a assegurar a celeridade do processo, devendo estas serem propostas no tribunal da sede da entidade demandada sendo o tribunal competente, e no nº4 do presente artigo temos a remissão para apensação obrigatória, sempre que preenchidos determinados requisito sendo um desvio às regras gerais.
  • contencioso relativo à impugnação de actos práticos no âmbito de certos tipos de procedimentos pré-contratuais -100º a 103º B CPTA 
Pretende-se assegurar os interesses públicos e privados de modo a promover a transparência através da proteção em tempo útil dos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas, e de garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos.
Tem em conta a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos contratos, mencionados no nº1 do artigo 100º do CPTA, (sendo eles: o contrato de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos e de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços), desde que se trate da violação de normas que possam pôr em causa a validade do acto de adjudicação, compreendendo assim, a possibilidade de realizar, através deste meio, acções de impugnação ou de condenação da Administração à prática de actos administrativos.
Os processos devem ser intentados no prazo de um mês para todos sendo um desvio à regra geral, sem qualquer restrição quanto à legitimidade activa, artigo101º CPTA.
 O contencioso pré-contratual realçou o efeito suspensivo automático à impugnação dos actos de adjudicação fazendo suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato que decorre da transposição das Directivas Recursos.
  •  Intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões artigo 104º a 108º CPTA 
  • Intimação para a proteção de direitos liberdades e garantias 109 a 111 º CPTA
Dirigem-se à emissão de uma imposição de pronúncia de condenação , com caráter de urgência ,intimações são processos urgentes de condenação que visam a imposição judicial, em regra dirigida à Administração, à adopção de comportamentos e à prática de actos administrativos.
A ação administrativa urgente rege-se pelos pressupostos processuais constantes no capítulo II e III do título II a partir do artigo 50º e ss , contudo cada forma de ação urgente estabelece regras próprias como sendo encurtando os prazos ou alargando a legitimidade degorrando as regras gerais de modo a permitir uma agilização e celeridade do processo .  
Contudo, o professor Mário Aroso de Almeida diz "com isto não deixou de ser relevante distinguir atos administrativos e atos regulamentares , visto que não deixou de fazer depender a dedução dessas pretensões de pressupostos específicos , continuou-se a identificar e caracterizar estes tipos de pretensões, para determinar o conteúdo do regime processual próprio . "
Importa referir que a unificação da ação administrativa comum e da ação especial não significa que tenha havido uma homogeneização das anteriores ações por duas razões :
1)Quanto aos meios processuais apesar da sua unificação, o legislador criou regras particulares e mais específicas em relação a pressupostos processuais das formas típicas da administração .
2)Por outro lado, quanto à forma do processo e à sua marcha, não se verificou uma unificação total, pois continuou a fazer-se a divisão das cinco fases : a fase dos articulados, a fase de saneamento, a fase da instrução , fase da audiência final e a fase do julgamento e decisão . Estas cinco fases da marcha da ação administrativa aplicam-se indistintamente a qualquer ação administrativa, mas mesmo a respeito da marcha processual consegue-se identificar alguns desvios nomeadamente no artigo 83º/4 CPTA segundo o qual embora a falta de impugnação na contestação em ações relativas a atos administrativas continue a não importar a confissão dos factos articulados pelo autor, passa a haver confissão em casos de falta de própria contestação, que permite uma concordância entre o princípio da igualdade de armas artigo 13º CRP e o princípio da unidade material ,o artigo 84º CPTA no qual as entidades demandadas têm de enviar o processo instrutor só se justifica quando tem a ver com a impugnação de atos ou impugnação de normas, o dever é diferente e existe ou não dependendo da ação , entre outros desvios constantes nos artigos 94º, 95/º3, 78ºA , 81º/3 e nº6 do CPTA.
Ainda no contexto da opção pela forma única da acção administrativa, salienta-se a existência de especialidades do processo administrativo em relação ao processo civil, não negando que devam existir especialidades no figurino processual administrativo e um conjunto de normas processuais administrativas próprias.
Por outro lado, prevendo-se uma única acção administrativa, não se uniformizou todo o regime, pelo que, sob uma única forma de processo e de um conjunto de disposições gerais, existem disposições particulares para cada uma das principais actuações administrativas, diferindo o regime da acção administrativa consoante a pretensão requerida.
Significa isto que passará a existir uma única forma processual não urgente, que obedece a uma tramitação comum, mas com normas específicas para cada uma das pretensões deduzidas, exigindo que se conheçam essas particularidades, sob pena de a acção poder estar votada ao insucesso, por falta de algum pressuposto processual específico
Outra das inovações é a cumulabilidade de pedidos do artigo 4º e 5º CPTA do ponto de vista de tramitação processual surgiu a necessidade de criar condições necessárias para que numa ação pudessem ser apreciados não apenas os pedidos dirigidos ao estrito reconhecimento da ilegalidade de atos administrativos ou regulamentos, mas também todos os demais pedidos que com eles pudessem ser cumulados .
Em suma, apesar de ter existido uma mudança a nível das formas de processo, parecendo que se veio simplificar e unificar, de certo modo não é o acontece visto que determinadas ações continuam a ter pressupostos próprios de aplicação .

VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as Ações no Novo Processo Administrativo.2ª Edição. Coimbra: Almedina, 2009.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Coimbra: Almedina, 2016.
RUI MACHETE, “A reforma da justiça administrativa deve continuar”, Cadernos de Justiça Administrativa.

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