Wednesday, 18 December 2019

Unificação das Formas de Processo Principais Não Urgentes


   Ana Carolina Godinho Neves, aluna n.º 56901          

             Através do DL n.º214-G/2015 de 2 de Outubro, que entrou em vigor em 2 de Dezembro de 2015, foi aprovada a “reforma da reforma” do Contencioso Administrativo.
            Segundo a Juíza Ana Celeste Carvalho, procedeu-se a uma reforma para dar resposta a quatro circunstâncias: O “Artigo 4.º do CPTA, que previa que devesse existir a revisão do CPTA no prazo de três anos, a contar da data da sua entrada em vigor; Exigência decorrente da entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC); Consequência necessária após a aprovação do novo Código de Procedimento Administrativo (CPA) e Acolhimento de algumas soluções de direito comparado: direito italiano e alemão e jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal de Justiça da União Europeia.”
          Nessa reforma procederam-se a várias alterações, sendo que uma das principais foi a unificação das formas de processo principais não-urgentes, que corresponde ao regime atual.
               Como era o quadro geral antes de 2015?
         Existiam as ações administrativas comuns, reguladas pelos antigos arts.37º e ss Código Processo Tribunais Administrativas, doravante CPTA, as ações administrativas especiais, reguladas pelos antigos arts.46º e ss CPTA, os processos urgentes, os processos cautelares e os processos executivos. Assim, o método era dualista, isto é, a ação administrativa era dividida entre comum e especial.
              Respondendo à questão de como distinguir essas duas ações, o Professor Vasco Pereira da Silva[1] afirma que “Ao comparar os artigos 37.º e 46.º do Código de Processo Administrativo, daí parece resultar que o critério do legislador da reforma foi o de considerar que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, integrando a acção administrativa especial, os processos relativos a actos e a regulamentos administrativos. Que o mesmo é dizer, que o critério corresponde a um tratamento processual diferenciado de duas particulares formas de actuação administrativa, que são o acto e o regulamento administrativo, pois todos os litígios que lhes digam respeito constituem matéria de acção administrativa especial, ao passo que os demais litígios integram a acção administrativa comum.”  
              Porque é que se procedeu à alteração do modelo dualista para unidade?
           Em primeiro lugar, havia incoerências, pois o modelo dualista manteve-se após 2002/2004, mesmo que quanto a outros elementos tenham existido alterações profundas. Tenha-se em conta que a tramitação dos (antigos) arts.78º e ss CPTA estabelecida para a ação administrativa especial era a sucessora da antiga tramitação, mas os traços comuns entre ambas eram escassos, o modelo posterior à reforma 2002/2004 seria já uma adaptação do processo declarativo comum do Código Procedimento Civil, de agora em diante CPC. [2]“Esta circunstância tem várias explicações, mas a principal de entre elas radicou do princípio, que o Código assumiu como fundamental, nos artigos 4º e 5º, da livre cumulabilidade de pedidos, na medida em que a consagração deste princípio exigiu que, do ponto de vista da tramitação processual, se criassem as condições necessárias para que, numa única acção, a acção administrativa especial, pudessem ser apreciados, não apenas os pedidos dirigidos ao estrito reconhecimento da ilegalidade de actos administrativos ou regulamentos, mas também todos os demais pedidos que com aqueles pudessem ser cumulados.” Essa aproximação ao processo civil levou ao entendimento de que talvez se pudesse adotar um único modelo para as ações administrativas não urgentes.
            Além disso, uma unificação desse tipo seria muito conveniente, visto que, por vezes, existia dificuldade em delimitar o âmbito de aplicação comum e da especial. [3]“Bastava pensar na incoerência de se enquadrar o contencioso dos contratos no âmbito da ação administrativa comum e o dos actos administrativos no da acção administrativa especial, num contexto (diferente do tradicional) de crescente fungibilidade entre as figuras do acto administrativo e do contrato; ou nas dificuldades  práticas que resultavam da circunstância de se erigir em critério de delimitação do âmbito de aplicação de duas formas diferentes de processo a distinção […] entre os actos administrativos e as declarações que a Administração profere fora do exercício de poderes de autoridade.”, ou seja, [4]“dificuldades práticas em casos de fronteira (condenação à prática de atos vs. condenação à prática de comportamentos) e algumas separações dificilmente compreensíveis: pedidos de abstenção à prática de atos como modalidade da ação administrativa comum; ações sobre a validade de contratos como ação administrativa comum, quando a forma contratual pode também ser tomada como típica da função administrativa.”
            O grande defensor da manutenção do modelo dualista foi o Professor Sérvulo Correia, pois conclui pela inconveniência da [5]“’solução unitarista’, pelo facto de o processo civil, que rege relações paritárias e que serviria a matriz única, não ter aptidão para sustentar litígios com as ‘especificidades das relações jurídico-administrativas’ que reclamam um ‘quadro processual específico’.”
            Quanto a isto, pronuncia-se também o Professor Ferreira de Almeida, que entende que a [6]“unificação das regras de processo constitui fator de segurança e clareza para os operadores jurídicos. Sem embargo das inarredáveis diferenças entre, por exemplo, uma acção de reconhecimento de direitos e uma ação de impugnação de normas, tal distinção não obriga ao dualismo, apenas reclama delimitação de particularidades – modelo que é seguido em Espanha. Acresce a influência do princípio da adequação processual, enfatizado na recente reforma da lei processual civil (por tradição, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo) - cfr. o artigo 6º do CPC15. Se se considerar válido no processo administrativo o princípio da adequação processual na formulação e com as expressões resultantes da reforma do processo civil, perde força a ideia de que a matriz bipolar do processo administrativo se justifica pelas particularidades das relações jurídicas-administrativa subjacentes, uma vez que o itinerário processual pode e deve ser modelado em razão da concreta especificidade da causa de pedir, da complexidade dos factos e da sua apreensão.”
            Com a “reforma da reforma” do Contencioso Administrativo levou-se a cabo a unificação da ação comum e especial e daí nasceu a ação administrativa, que segundo o Professor Mário Aroso de Almeida [7]“… é a forma de processo que corresponde à generalidade das pretensões, que não colocam exigências que o legislador considere deverem corresponder a uma forma de processo especial.”
            Acabado o modelo dualista, consagra-se uma tramitação única e global para todas as ações principais não urgentes nos artigos 78.º e ss. do CPTA. Seguem a forma de ação administrativa todos os processos cujos litígios sejam de apreciação competente a Tribunais Administrativos e que estejam sujeitos a tramitação diferente nos termos do CPTA ou legislação avulsa, ver artigo 35º e 37º/1 CPTA, artigo que chega até a fazer uma enumeração das processos cuja tramitação seja a dos referidos artigos 78º e ss, art.37º/1 - a) a n) CPTA.
        Contudo, o CPTA de 2015 manteve no título II - capítulo II - “disposições particulares”, algumas especificidades que constituíam as ações administrativas especiais, que são a impugnação de atos administrativos, arts.50º e ss CPTA, a condenação à prática de ato devido, arts.66º e ss CPTA e a impugnação de normas, arts.72º e ss CPTA. Ainda, uma nova secção relativa às ações relativas à validade e execução dos contratos, arts.77º - A e ss CPTA. Afirma a autora Isabel Portela Costa que [8]“Tal corresponde à necessidade de manter as especificidades que marcam a atual ação administrativa especial (a qual visa o exercício típico do poder público administrativo), ainda que sob a veste de ‘normas particulares’ relativamente ao regime comum.”
            Dito isso, é possível afirmar que apesar de se ter procedido a uma unificação da comum e da especial, ainda existem particularidades no toca às antigas ações especiais, pelo que não existe um tratamento único, isto é, ainda tem que se fazer uma delimitação, ou seja, não houve uma homogeneização.
              Existem, portanto, algumas especialidades:
  • Art.78º/2 – e) e 79º/3 CPTA;
  • Art.81º/3 e 6 CPTA, sobre contrainteressados: número 3 para situações de impugnação de norma e número 6 para impugnação de ato administrativo.
  • 83º/4, quanto ao regime de revelia: só há ónus de impugnação justificada em certos tipos de ação – parece que nas ações relativamente a atos e normas há tratamento mais favorável à Administração, o que corresponde à velha dicotomia em que a ação administrativa especial estava sujeita a situações mais favoráveis;
  • 84º CPTA, elemento específico da Ação Administrativa, pois as entidades demandadas têm de enviar o processo instrutor, o que só se justifica quando tem a ver com impugnação de atos ou impugnação de normas; o dever é diferente e existe ou não dependendo do tipo de ação;
  •  85º/3 CPTA, o Ministério Público pode intervir em qualquer ação para se pronunciar sobre o mérito, porém, nas ações de impugnação de atos pode fazer mais coisas e providenciar de diligências instrutórias além daquelas das partes;
  • 90º/4 CPTA;
  • 95º/3 CPTA, especificidade para os processos impugnatórios.

Conclui-se então que apesar de se ter feito uma junção da antiga ação administrativa comum com a especial, o que resolve problemas que havia com o sistema dualista, existem ainda particularidades necessárias aplicáveis consoante o objeto em termos de pressupostos processuais, requisitos e determinadas vicissitudes do processo e até da marcha do processo.
           
Notas de Rodapé:
[1] Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise Ensaio Sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra, págs.245 e 246.
[2] Almeida, Mário Aroso de (2016), Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra, pág.342.
[3] Almeida, Mário Aroso de, obra citada, pág.342.
[4] Aulas teóricas de Contencioso Administrativo do Professor Vasco Pereira da Silva.
[5] Correia, José Manuel Sérvulo, O recurso contencioso no projecto de reforma: tópicos esparsos; Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo, in Estudos de Direito processual Administrativo, coord. de José Manuel Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Bernardo Ayala, Lisboa, 2001, pp. 181 ss e 191 ss, respetivamente.
[6] Almeida, José Mário Ferreira de, Algumas notas sobre a aproximação do processo administrativo ao processo civil, in CJA, nº 102, 2013, págs.24 e ss.
[7] Almeida, Mário Aroso de, obra citada, pág.343.
[8] Costa, Isabel Portela, Alguns Aspetos da Reforma da Justiça Administrativa em 2015, in Julgar – n.º26 – 2015, Coimbra Editora, Coimbra, disponível online através do seguintes website: file:///C:/Users/caroc/Downloads/JULGAR-26-03-Isabel-Costa-Reforma-Justi%C3%A7a-Administrativa-2015.pdf

Webgrafia:










Bibliografia:
  • Almeida, Mário Aroso de (2016), Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, Coimbra;
  •  Almeida, José Mário Ferreira de, Algumas notas sobre a aproximação do processo administrativo ao processo civil, in CJA, nº 102, 2013;
  •  Correia, José Manuel Sérvulo, O recurso contencioso no projecto de reforma: tópicos esparsos; Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo, in Estudos de Direito processual Administrativo, coord. de José Manuel Sérvulo Correia, Rui Medeiros e Bernardo Ayala, Lisboa, 2001;
  • Costa, Isabel Portela, Alguns Aspetos da Reforma da Justiça Administrativa em 2015, in Julgar – n.º26 – 2015, Coimbra Editora, Coimbra.


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