A matéria relativa ao contencioso dos contratos da função administrativa gera alguma controvérsia na doutrina, ao nível da noção de contrato público. Em termos substantivos, distinguia-se a existência de um regime jurídico de direito público (que será “especial”) para os contratos administrativos e um outro de direito privado (que será “comum”) para os restantes contratos onde interviesse a Administração.
Esta distinção surge da doutrina francesa, o que tem em conta que na segunda metade do século XIX começaram a surgir na Europa contratos administrativos que envolviam a prossecução de políticas públicas. O Conselho de Estado francês, em resultado dos montantes e da importância que estava em causa, alargou o âmbito do contencioso administrativo para abranger estes contratos, o que fez com que a doutrina francesa encontrasse uma forma de distinguir os contratos que estavam submetidos ao direito civil. Esta diferenciação fez com que existisse uma realidade “esquizofrénica”, por estarem sujeitos a regimes diferentes e serem sindicados em tribunais diferentes.
Neste âmbito, registou-se uma evolução que resulta do direito europeu e que foi vertida no Código dos Contratos Públicos, que passou pela eliminação da distinção entre contratos privados e públicos. O professor Vasco Pereira da Silva é um crítico do critério que foi introduzido em Portugal, que fez depender da existência de um ambiente de direito público ou de direito privado.
Em Portugal, a professora Maria João Estorninho, nos anos 80, foi a precursora da discussão que visava pôr em causa esta distinção, defendendo uma unidade de tratamento de toda a atividade contratual da Administração Pública, em que a diferenciação passa por estar em causa ou não o exercício da função administrativa, o que faz com que não hajam diferenças entre um contrato público e um privado se ambos exercerem a função administrativa. Nesta altura, acompanhando esta evolução, a União Europeia introduz o conceito de contrato público, que se aplica a todos os contratos no exercício da função administrativa.
Na reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004 consagrou-se a relação jurídica como o critério de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, o que, ao nível da contratação pública, permitiu que se qualificasse como administrativos todos os contratos feitos no exercício da função administrativa.
Com a reforma de 2015, esta distinção desapareceu da nossa ordem jurídica, sendo que para o professor Vasco Pereira da Silva não é correto falar-se em “contrato administrativo”, no entanto, aplica-se o regime do contrato público. Em 2015, o legislador estabeleceu, no art. 200.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que nada se tinha alterado, no entanto, esta matéria é regulada pelo Código dos Contratos Públicos, o que faz com que esta dualidade esteja afastada.
Perante esta nova realidade, colocou-se um problema de legitimidade processual, em que o acesso ao Tribunal era delimitado para permitir só às partes (aqueles que intervinham no contrato) irem a juízo. A Escola de Lisboa afirma, por outro lado, que todas as pessoas que intervenham num contrato público e que por ele são afetadas devem poder impugnar o contrato, sendo que esta realidade é possível devido ao período de stand-still imposto pelas regras europeias. Esta evolução foi acompanhada por um alargamento da legitimidade, através de um conceito de parte alargado, que foi introduzido no art. 77.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
No art. 77.º-B do CPTA temos uma regra relativa a prazos, apresentando uma realidade semelhante à que temos no Processo Civil. No entanto, neste âmbito o legislador fez uma norma a que se pode chamar de ideológica, por se referir a contratos com objeto passível de ato administrativo, sendo que não há a caducidade dos direitos dos particulares que podem ser impugnados pelo facto de o ato que estiver em causa poder ser substituído por um ato administrativo. Esta situação será inconstitucional, por pôr em causa o art. 268.º/4 da Constituição da República Portuguesa, visto que enquanto o direito existir o particular pode ir a tribunal.
Bibliografia
- ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3º edição, Almedina, 2017.
- SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2º edição, Almedina, 2013.
João Ferreira, n.º 56927, Subturma 10
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