Sunday, 17 November 2019

Acórdão 22/02/2013 – Tribunal Central Administrativo do Norte



Acórdão 22/02/2013 – Tribunal Central Administrativo do Norte


- A ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
- A IMPUGNAÇÃO DE ACTOS ADMINISTRATIVOS


Mariana Bernardo Catalino (24895)

Procedendo, primeiramente, à análise da matéria de facto do acórdão, tratava-se de um recurso de uma decisão do Tribunal Administrativo de Braga, que foi no sentido de considerar procedente a excepção de inimpugnabilidade de um acto administrativo. Perante uma obra que alteraria a estrutura do edifício e que implicaria licenciamento, o autor foi notificado, sendo que se verificaram sucessivas ordens de demolição, por se considerar que a ampliação não cumpria o exigido pelo alvará de loteamento nº 19/73.
O recorrente argumentou que: a obra decorreu em moradia já existente e da inexigibilidade de licenciamento; que estaria em causa um novo acto administrativo quando foi notificado da necessidade de demolição da obra; que, perante a classificação do acto pelo Tribunal como sendo um acto meramente confirmativo, não estariam preenchidos os requisitos cumulativos, visto que não estaria em causa a mesma situação jurídica, nem em matéria de facto, nem em matéria de direito, sustentando-se na alteração ao regime jurídico com a entrada em vigor da Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro.
Colocava-se a questão de saber se o Tribunal Administrativo de Braga teria, com a sua decisão, violado os artigos 51º e 53º, do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos.
Para que se possa proceder à análise da fundamentação apresentada pelo Tribunal, importa definir o conceito de acto administrativo impugnável, sendo que, para José Vieira de Andrade, o acto administrativo impugnável é “um acto regulado por disposições de direito público, um acto jurídico decisório praticado no exercício de poderes de autoridade, relativo a uma situação individual e concreta e com eficácia externa”[1]. Na doutrina e na jurisprudência, até 1989, a posição dominante assentava por um lado, num conceito amplo de acto administrativo, que constituía um acto de autoridade, isto é, uma conduta voluntária unilateral, que seria praticado por um órgão administrativo no exercício de poderes administrativos e que visava produzir efeitos jurídicos num determinado caso, não considerando os actos de direito privado, os contratos ou acordos, os actos políticos, legislativos, jurisdicionais, as acções materiais e os regulamentos como tal; por outro lado, um conceito estrito de acto administrativo definitivo e executório, que se caracterizava por ser adjectivo, por ser um acto susceptível de recurso contencioso imediato, pressupondo-se uma definitividade material – com a definição da situação jurídica dos particulares face à Administração; procedimental – acto final ou incidente autónomo num processo; competencial – acto emanado por um órgão supremo ou que constitua a última palavra da Administração.
Retomando a posição adoptada por Vieira de Andrade face ao conceito processual de acto administrativo impugnável, este adopta uma posição intermédia[2], considerando que este é mais vasto na dimensão orgânica, nos termos do artigo 51º, nº2, do CPTA, e mais restrito, por só abranger as decisões administrativas com eficácia externa, isto é, os actos administrativos que produzam ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas[3]. Portanto, para Vieira de Andrade há que distinguir o conceito de acto administrativo, constante do artigo 120º, do CPA, do conceito de acto administrativo impugnável do artigo 51º, do CPTA.
A posição de Vasco Pereira da Silva vai no sentido de considerar como actos administrativos todos os actos susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, podendo ser impugnáveis, desde que se demonstre a possibilidade de lesarem os direitos dos particulares, nos termos do artigo 268º, nº 4, da Constituição. É a este propósito que Vasco Pereira da Silva faz referência ao alargamento da impugnabilidade dos actos administrativos – uma das transformações internas do conceito de acto administrativo ocorridas pela reforma do contencioso – determinada pela eficácia externa e pela lesão dos direitos dos particulares, nos termos do artigo 51º, nº1 do CPTA, e do artigo 268º, nº 4, da Constituição. No entanto, apesar de reconhecer a solução como correcta, não deixa de considerá-la “algo infeliz”, devido à “subalternização do critério da susceptibilidade de lesão de direitos”[4], por ser contraditória ao disposto no artigo 54º, do CPTA, que prevê a impugnação de actos em que não se verifique a existência de eficácia externa, desde que se demonstrem lesivos.
Assim, para que se possa considerar um acto administrativo impugnável exige-se que preencha vários requisitos. Quanto ao conteúdo decisório, este é fundamental para que possam os actos administrativos ser impugnados nos tribunais administrativos, sendo que Mário Aroso de Almeida refere a necessidade de estes exprimirem “uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar”[5]. Referir ainda, quanto aos actos de conteúdo positivo - outro requisito - que só estes podem ser objecto de um processo de impugnação, no sentido de impugnar ou declarar a nulidade.
No que toca à eficácia externa, cabe referir que esta não é considerada um requisito associado à impugnabilidade dos actos administrativos, mas antes à legitimidade para impugnar, por via do artigo 51º, nº1, do CPTA[6].
Já quanto à tempestividade da impugnação, não há um prazo para a impugnação de actos nulos, estipulando-se somente o prazo de um ano ou três meses para a impugnação de actos anuláveis, conforme seja o impugnante o Ministério Público ou outro interessado. Ressalva Mário Aroso de Almeida, a propósito do ónus de impugnação tempestiva de actos administrativos, que o mesmo só se constitui quando preenchidos os requisitos relacionados com a sua eficácia, momento em que começam a correr os prazos de impugnação, conforme o disposto no artigo 54º, nº1, do CPTA. O artigo 59º, respeitante à determinação do momento em que se inicia a contagem dos prazos de impugnação, implica que, perante a notificação, a publicação ou o conhecimento do acto a contagem do prazo de impugnação só se inicie quando se verifique a constituição do ónus de impugnação.
Dado que no acórdão se faz referência à existência de vários requerimentos por parte do autor, e tendo em conta que o prazo começa a correr quando este foi notificado a 17 de Dezembro de 2007, exigia-se, então, que o acto fosse impugnado nos três meses seguintes à notificação, nos termos do disposto nos artigos 58º, nº2 e 59º, nº1, do CPTA. Em sede de duração dos prazos não se verificaram alterações que mereçam uma nota de actualização.
No acórdão suscita-se a questão de se tratar de um acto meramente confirmativo, e voltando à questão de, para a existência de um acto administrativo se exigir a verificação do conteúdo decisório - artigo 120º, do CPA – cabe referir que tal implicaria considerar o acto como não impugnável. Portanto, os actos meramente confirmativos são todos os actos em que a Administração apenas confirme decisões jurídicas introduzidas em actos administrativos anteriores, nos termos do disposto no artigo 53º, do CPTA.
Nestes termos, importa fazer uma nota de actualização referente à revisão legislativa, visto que à data do acórdão ainda não estaria em vigor a autorização legislativa concedida pela lei nº 100/2015, de 19 de Agosto, com o Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro. Atentando ao disposto no artigo 53º, do CPTA[7], apesar da definição de acto meramente confirmativo que fora introduzida, não se verificam alterações que pudessem atingir o seu sentido, ainda que se ressalve a inaplicabilidade da regra da inimpugnabilidade dos actos confirmativos quando o interessado não tenha tido o ónus de impugnar o acto confirmado, no caso de não se ter verificado um dos factos previstos no artigo 59º, nº 2 e 3, do CPTA[8].
Voltando à análise do acórdão e à formulação anterior do artigo 53º, do CPTA, importa referir os três requisitos cumulativos para que tal se possa considerar:  o acto tem de ser lesivo; o acto tem de ser do conhecimento do interessado; tem de haver identidade de sujeitos, de objecto e de decisão entre o acto confirmado e o acto confirmativo. Os requisitos encontravam-se preenchidos, visto que se trataria da demolição de obra que implicaria prejuízos monetários, o interessado tinha sido notificado acerca do ano em 17 de Dezembro de 2007, e não se verificaram alterações na situação jurídica[9], sendo os sujeitos A e o Município.
Uma breve consideração no que concerne ao espírito do conceito de acto confirmativo, este visava evitar a constante reabertura de litígios, uma vez que os requerimentos sucessivos constituiriam uma via para tal. Na opinião de Vieira de Andrade, o artigo 53º, do CPTA, limita “a invocação do carácter confirmativo do acto impugnado para efeitos de rejeição da impugnação, não admitindo tal rejeição, designadamente, quando o acto anterior não tenha sido notificado ao autor[10]”.
Quanto à aplicação de um quadro legal distinto, nos artigos 6º e 7º, da Lei 60/07, de 4 de Setembro, esta não seria possível, tendo sido sustentado, e bem, que a alteração do RJUE não estava em vigor à data do requerimento – que ocorrera a 18 de Janeiro de 2008 – e que fora indeferido pelo acto proferido a 28 de Janeiro de 2008, no qual, mais uma vez, ainda não estava em vigor o novo regime. A acrescentar ainda quanto à fundamentação do Tribunal que considerou que, mesmo desligando-se da questão da inaplicabilidade de um quadro legal distinto, não parece ter ocorrido ou sido possível a aplicação pelo acto impugnado do novo regime jurídico, daí ter concluído pela inexistência de qualquer alteração ao quadro normativo e pela natureza meramente confirmativa do acto impugnado a 3 de Outubro de 2008 e, consequentemente, pela sua inimpugnabilidade, por via dos artigos 51º e 53º, do CPTA.


BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Mário Aroso de
- Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010
GOMES, Carla Amado; NEVES, Ana Fernanda; SERRÃO, Tiago / CALDEIRA, Mário
- “Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA” - A impugnação de actos no novo CPTA: âmbito, delimitação e pressupostos, AAFDL, 2016
SILVA, Vasco Pereira da
- “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009
- “Temas e Problemas de Processo Administrativo”, 2ª edição, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, 2011



[1] José Vieira de Andrade, “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, 2012, p. 211
[2] Vieira de Andrade, “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, 2012, p. 137. Para este autor, ao adoptar o conceito estrito de acto administrativo, que corresponde a um regime substantivo, procedimental e processual, é inevitável não considerar no plano processual, a existência de lesividade efectiva, não comportada, de forma exclusiva, pelo conceito estrito.
[3] Vieira de Andrade, “Justiça Administrativa”, Almedina, 2009, p. 211-212.
[4] Vasco Pereira da Silva, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, Almedina, 2009, p. 344ss.
[5] Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, p 270 ss.
[6] No artigo 51º, nº1, do CPTA, é evidente a associação da eficácia externa do acto à sua susceptibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de particulares – um aspecto também referido no artigo 55º, nº1, alínea a), do CPTA, a propósito da legitimidade para impugnar.
[7] Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão: “Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA”; Mário Caldeira: “A impugnação de actos no novo CPTA: âmbito, delimitação e pressupostos”, AAFDL, 2016, p. 252 ss. Uma nota quanto ao nº 4 do artigo 53º, do CPTA, que se refere aos casos em que seja admitida a impugnação de um acto confirmativo, que “os efeitos da sentença que conheça objecto do processo são extensivos ao acto confirmado”, o que se traduz na inviabilidade de subsistência de um acto administrativo desconforme com a sentença que anula, posteriormente, o seu acto confirmativo.
[8] Mário Caldeira: “A impugnação de actos no novo CPTA: âmbito, delimitação e pressupostos”, AAFDL, 2016, p. 252 ss.
[9] Os fundamentos apresentados na verificação deste requisito foram a identidade de decisão e de assunto, bem pelo facto de todas as decisões terem sido tomadas no âmbito do mesmo processo administrativo conduzido pelo ente público demandado.  As decisões tomadas eram idênticas, no sentido de indeferimento do pedido de legalização do edificado formulado e reiterado pelo recorrente, tendo sido sempre ordenada a demolição, pelo que a sua fundamentação era idêntica.
[10] José Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 2009, p. 215.

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