Sunday, 17 November 2019

Análise do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/11/2019 - Proc. nº 1593/18.1BELSB

O presente acórdão aborda essencialmente dois temas: a tempestividade impugnatória e a dicotomia entre a natureza dos processos e a natureza substantiva dos prazos. Antes de proceder à análise do acórdão, compete-nos fazer um breve sumário do mesmo. 
O acórdão provém da interposição de um recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, no qual o Recorrente alega que o prazo disponível para a impugnação de um ato administrativo foi devidamente observado, visto que, apesar de se tratar de um procedimento de massa, o qual se insere na forma de processo urgente, previsto nos artigos 36º/1, b) e 99º do CPTA, processos esses que correm num prazo mais célere, como decorre do número 2 do artigo 36º do CPTA, este mesmo preceito não se aplica já que existe uma outra norma que a derroga, em específico, a prevista no artigo 97º/1 do CPTA. A existência desta última norma, faz com que relativamente aos prazos de impugnação, o prazo a aplicar seja o previsto no artigo 279º/e) do CC ex vi artigo 58º/2 do CPTA, o qual tem em conta os dias não úteis, assim como as férias judiciais para efeitos de contagem do final do prazo. Perante o prazo previsto no artigo 99º/2 do CPTA, que estabelece o prazo de propositura de ações de massa para um mês, tendo esse prazo terminado no dia 01/08/2018 e tendo a ação sido instaurada a 03/09/2018, discute-se qual a correta interpretação a fazer dos artigos 58º/1 e 2, 97º/1 e 99º/2, todos eles do CPTA, interpretação essa que porá em causa a concreta aplicação (ou não) da alínea e) do artigo 279º do CC, decidindo-se, por sua vez, pela (in)tempestividade da impugnação. 
Feito o sumário do respetivo acórdão, faremos uma visita guiada pelo tipo de procedimento em causa – o procedimento de massa - apreciando nomeadamente, quando é que este se verifica, a sua finalidade e por fim, se o Tribunal ad quem fez bem (a nosso ver) em conceder provimento ao recurso. 
Em primeiro lugar, há que distinguir duas figuras à partida similares, ambas de carácter urgente, mas que não devem ser confundidas. 
A primeira encontra-se prevista no artigo 48º CPTA e institui um mecanismo de agilização processual destinado a evitar a sobrecarga dos tribunais administrativos, assim como a promover a uniformização de jurisprudência relativamente a processos já previamente instaurados que tenham por objeto litígios emergentes de decisões proferidas por uma mesma entidade administrativa e que envolvem um grande número de processos ou de interessados. É o que decorre do nº 1 do artigo 48º CPTA. Assim, haverão processos em massa caso se verifiquem dois pressupostos: i) número superior a 10 processos intentados num mesmo tribunal; ii) que esses processos digam respeito à mesma relação jurídica material, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo; Caso estes pressupostos se verifiquem, será dado andamento a apenas um dos processos e serão suspensas as tramitações de todos os demais – artigo 48º/1 in fine do CPTA. 
A segunda, que é a que efetivamente nos interessa, encontra previsão legal no artigo 99º CPTA. Esta (nova) figura do contencioso dos procedimentos de massa tem como função assegurar a concentração num único processo, a correr num único tribunal, as várias pretensões que os interessados em litígios emergentes de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas ou procedimentos de recrutamento pretendam vir a deduzir no contencioso administrativo. É o que decorre do nº 1 do artigo 99º CPTA. Verificam-se então seguintes pressupostos: i) ação respeitante à prática ou omissão de atos administrativos; ii) número superior a 50 participantes num dos domínios previstos das alíneas a) concurso de pessoal, b) procedimentos de realização de provas ou c) procedimentos de recrutamento, do nº1; 
A finalidade de ambos é idêntica: prevenir a instauração de diversos processos em diversos tribunais, porém, enquanto que na figura dos processos em massa as ações já tinham sido instauradas antes da aplicação da figura, nos procedimentos de massa a concentração num único processo é não apenas obrigatória, como prévia à instauração do mesmo. 
Qualificada a figura presente no acórdão em apreço e tratando-se de uma impugnação no âmbito desta figura, compete-nos um breve debruce sobre o mecanismo da impugnação de atos administrativos. 
O CPTA prevê diferentes formas de processos de impugnação de atos administrativos, entre elas a ordinária (arts. 50º e ss) e a urgente (arts. 97º e ss.). O que distingue estas formas de processo é a sua celeridade, sendo esta maior aquando de um processo urgente. Tal como decorre do artigo 51º/1 do CPTA, são impugnáveis “todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Admite-se, contudo, a impugnabilidade de atos que, no plano intra-administrativo, sejam praticados por órgãos de uma entidade pública e se dirijam a outros órgãos pertencentes a essa mesma entidade, ou seja, no âmbito de relações inter-orgânicas, sendo deste modo possível a impugnação de atos sem eficácia externa. 
Esta construção vem frisar que a Administração Pública, assim como os diplomas que regulam a sua atuação afastam-se cada vez mais de uma visão paternalista da Administração Pública, Administração essa com elevados poderes de autoridade e que não se situa no mesmo patamar dos particulares. O mecanismo da impugnação aproxima os particulares da Administração, garantindo não só a salvaguarda dos seus direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos, como também o controlo da legalidade (3º do CPA), a boa administração (5º/2 do CPA), a justiça e razoabilidade (8º do CPA), a participação dos particulares (12º do CPA), e acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (20º da CRP). 
No âmbito da tempestividade da impugnação, a regra geral é de que se o ato for nulo, não existe qualquer prazo para o poder impugnar. É o que decorre do artigo 58º/1 do CPTA. Quanto aos atos anuláveis, o prazo varia consoante a impugnação seja feita no domínio de um processo ordinário - artigo 58º/1 a) e b) do CPTA – ou no âmbito de um processo de tramitação urgente – no caso específico dos procedimentos de massa, o prazo é o previsto no artigo 99º/2 do CPTA. 
Vistas todas estas questões e perante o facto de que quer a coligação, quer a apensação dos processos terem natureza obrigatória, e conjugando isso com a fixação da existência de um prazo bastante reduzido para a propositura da ação (um mês - art. 99º/2 do CPTA) assim como para a promoção da coligação (dez dias – art. 12º/3 do CPTA), e tendo o legislador o cuidado de ter previsto a norma presente no artigo 97º/1 do CPTA, aplicando-se assim o disposto no artigo 279º, e) do CC ex vi artigo 58º/2 do CPTA (capítulo II do CPTA), considero que o tribunal ad quem julgou corretamente ao ter concedido o provimento ao recurso. 
Não faz, a meu ver, qualquer sentido que o facto do procedimento de massa ter uma tramitação urgente, que o prazo para a sua impugnação, sendo também este urgente, não possa beneficiar da regra do 279º, e) do CC, sob pena de se perder o direito de acesso à justiça administrativa. Não será a aplicação do disposto no artigo 279º, e) do CC que impedirá que o procedimento em si seja célere, nos termos do nº5 do artigo 99º do CPTA, pelo contrário, a aplicação deste preceito irá garantir que todos os envolvidos no processo estarão em sintonia, porque como vimos anteriormente, o prazo para a propositura de uma ação tão complexa como esta já é por si só bastante reduzido. 

Referências Bibliográficas: 

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