Partindo de um breve
resumo do acórdão, essencial à compreensão do trabalho. A empresa A…,Lda.
Intentou contra o município do Mogadouro numa ação especial de pré-contencioso
pedindo a anulação da decisão do município que adjudicou a empreitada da obra
publica à sociedade B…,Lda. No dia 31/10/2014 foi declarado por sentença a
anulação da adjudicação. C…,Lda., a quarta concorrente no concurso interpôs
recurso de decisão da sentença para o TAF pois não tinha sido declarada
contrainteressado e não tinha sido citada.
O TAF considerou que C…,Lda.
Recorreu para o TCA Norte que considerou que C…,Lda. não era contrainteressado
e não deu provimento ao recurso.
O
TCA Norte considerou no seu acórdão que embora C…,Lda. não seja
contrainteressado no processo os outros concorrentes acima do impugnante são e
que anulado este concurso nenhum dos concorrentes ocuparia o primeiro ligar.
Quanto à citação da adjudicação através do “Vortalgov” o tribunal entende que
este é o local mais adequado para a publicação e que o TAF embora não devesse
citar todos os concorrentes do concurso os tenha citado do modo exigido pela
lei. A este acórdão contra alegou C…,Lda. E o município de Mogadouro.
A autora A…,Lda.
Interpôs recurso no TSA que considerou revogado o acórdão de 05/06/2015 do TCA
Norte. Para o STA apenas o réu estaria na posição de contrainteressado pois
apenas ele seria prejudicado com a anulação do ato de adjudicação. Nenhum dos
outros concorrentes é contrainteressado uma vez que com a anulação do acto de
adjudicação todos irão beneficiar do ato anulatório pois será refeito o
processo administrativo e praticado um novo ato classificatório em que um deles
ficará na primeira posição e beneficiará do contrato. O tribunal considerou
assim improcedente o pedido de revisão e revogou a decisão recorrida.
Contrainteressados
A
questão principal deste acórdão é a delimitação do conceito de
contrainteressados em ações de contencioso pré-contratual. Começaremos por
fazer uma análise ao conceito de contrainteressado e às várias posições da
doutrina. Esta figura está prevista nos artigos 57º e 68/2 CPTA, no domínio do
contencioso dos atos administrativos, estabelece que nos processos de
impugnação de atos administrativos, como nos processos de condenação à prática
de atos administrativos, para além da entidade que praticou o ato em causa,
também devem ser demandados os titulares de interesses contrapostos aos do
autor. O CPTA faz referência aos contrainteressados no âmbito das ações de
impugnação de atos administrativos, mas em que há sujeitos provados envolvidos
no litígio, na medida em que os seus interesses coincidem com os da
administração. Muitas vezes sucede que o interessado pretende a anulação de um
ato administrativo que considera ilegal ou quer a prática de um ato
administrativo que considera devido por parte da administração e à uma outra
parte, o contrainteressado, que não quererá a prática desse ato ou que o ato
seja realizado pela administração.1
Para
o professor Mário Aroso de Almeida, o objeto destes processos não se define por
referência às situações subjetivas dos contrainteressados, titulares de
interesses contrapostos aos do autor, mas à posição em que a administração se
encontra no quadro de exercício dos seus poderes de autoridade.
Esta
circunstância não retira aos contrainteressados a sua qualidade de partes no
litígio, para efeitos de deverem ser demandados, como está previsto no artigo
10º/1 CPTA. Que reconhecem os contrainteressados o estatuto de partes em
situação de litisconsórcio necessário passivo, com a entidade pública. O artigo
57º CPTA circunscreve ás pessoas “que possam ser identificadas em função da
relação material em causa ou dos documentos contidos no processo
administrativo”. Para isso devem ser demandados os titulares com interesses
contrapostos aos do autor. A consequência da falta de citação é a ilegitimidade
passiva que obsta ao conhecimento da causa, artigo 89º, número 4, alínea e) e inoponibilidade
da decisão judicial que venha a ser proferida à revelia dos interessados,
artigo 155º, número 2.
Os
contrainteressados podem ser definidos segundo um critério amplo, estendendo-se
a todos aqueles que, por terem interesse na situação, não poderem ser deixados
de parte no processo. Trata-se de assegurar que o processo não corra à revelia
de pessoas em cuja esfera jurídica vai produzir efeitos.
As
situações de litisconsórcio necessário passivo podem ocorrer por aplicação
subsidiária do regime do CPC. O litisconsórcio é necessário quando a lei ou o
contrato exijam a intervenção de vários de vários interessados, artigo 33º CPC.
No contencioso administrativo, um dos casos reconduzidos ao litisconsórcio
necessário passivo é os contrainteressados, previstos nos artigos 57º e 68º,
número 2 do CPTA, estabelecendo que, tanto nos processos de impugnação dos atos
administrativos como nos processos de condenação à prática de atos, para além
da entidade que praticou ou se pretende que pratique, também devem ser
demandados os titulares de interesses contrapostos ao autor. O próprio CPA define o conceito de
contrainteressados como “a quem o provimento do processo impugnatório
possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do
ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em
causa”.
Quanto ao critério utilizado para
delimitar a categoria de contrainteressado Rui Machete defende a adoção de um
critério restritivo, essencialmente baseado na teoria da proteção da norma,
quanto ao preenchimento do pressuposto processual da legitimidade, tanto no
lado ativo, como nos contrainteressados, no lado passivo. 2
Há criticas a esta solução pois os
autores defendem que não traz vantagens, uma vez que restringe o universo dos
que são admitidos a obter tutela dos tribunais administrativos.3 Para
o professor Mário Aroso de Almeida na legitimidade ativa, nos processos de
impugnação de atos administrativos consagra o critério da legitimidade de raiz
estritamente subjetiva, mas consagra outros critérios mais abrangentes, como é
o caso do que consta no artigo 55º, numero 1, alínea a) CPTA, que estende a
legitimidade para a impugnação de atos administrativos aos titulares de um
interesse pessoal e direto. Os papéis do autor e do contrainteressado são
reversíveis, sem que entre um e outro existam diferenças no que respeita aos
pressupostos e modo de tutela jurídica dos respetivos interesses.
Quanto aos
contrainteressados no processo impugnatório, como é o caso no acórdão
analisado, é evidente que se o ato foi praticado porque o autor, que requereu,
demonstrou a titularidade de uma situação jurídica subjetiva que lhe permitia
exigi-lo, ele será no processo de impugnação que venha a ser intentado contra esse
ato, um contrainteressado titular de uma situação jurídica subjetiva, tal como
também seria titular, como autor, no âmbito da ação de condenação à prática de
um ato administrativo que tivesse de intentar se o ato lhe tivesse sido negado.
Como os contrainteressados têm de ser identificáveis como titulares de
interesses presuntivamente contrários aos do autor, a categoria tenderá a
circunscrever-se a quem seja titular de verdadeiras situações jurídicas
subjetivas que a procedência da ação possa pôr em causa. A questão é
completamente diferente se no plano da legitimidade ativa para impugnar atos
administrativos, na medida em que, uma vez praticado um ato administrativo,
podem reagir contra ele titulares de meros interesses de facto, que à partida,
não eram identificáveis e não teriam de ser contrainteressados numa ação de
condenação à prática do ato devido que tivesse sido intentada para conseguir
que esse ato fosse praticado.
Tem
vindo a ser discutido pela doutrina se os contrainteressados são verdadeiramente
partes no processo ou apenas terceiros. Para o professor Vasco Pereira Da Silva
estes são verdadeiros sujeitos principais da relação jurídica multilateral e
considera infeliz a denominação destes no CPTA como contrainteressados, sendo
esta designação dos sujeitos
tradicionais uma reflexão dos “traumas de infância” do contencioso
administrativo.4 O professor também critica a decisão do legislador
em regular a situação dos contrainteressados na sistemática do Código, mas
considera positivo a decisão do legislador de ter tido a “sensibilidade” de
incluir os contrainteressados no processo, que são partes das relações
jurídicas multilaterais.5
Conclusão
O
Supremo Tribunal defende na decisão do acórdão defende que apenas é
contrainteressado o adjudicado pois só ele vai acarretar prejuízo a decisão. Na
minha opinião a tese defendida pelo Supremo Tribunal Administrativo é a mais
acertada uma vez que só devem ser contrainteressados no processo impugnatório
quem seja prejudicado pela anulação do ato ou tenha um interesse legitimo para
a manutenção do ato, situação em que não se encontra C…Lda. Que nunca se viria
prejudicado ou tem um interesse legitimo na manutenção do ato uma vez que não
ficou em primeiro lugar no concurso e como tal não usufrui do contrato de
empreitada. A anulação do ato de adjudicação pelo contrário poderia vir a
ser-lhe favorável uma vez que o concurso se repetirá dando-lhe novamente a
oportunidade, tal como a todos os concorrentes, de ficar em primeiro lugar e
vir a usufruir do contrato de empreitada. Embora concordo com a decisão do
Supremo Tribunal Administrativo de que C…Lda. não é um contrainteressado é
necessário criticar o STA acerca da sua tese de que apenas quem seja
prejudicado diretamente pelo ato pode ser contrainteressado, uma vez que se
seguíssemos essa tese nunca haveria contrainteressados para além do réu da
causa. Pode haver outros contrainteressados como é o caso de terceiros que
tenham um interesse legitimo que o ato adjudicado se mantenha.
Os
artigos 57º e 68º, número 2 refere que se são contrainteressados “ pessoas a
quem a procedência da ação pode prejudicar ou que têm interesse na manutenção
da situação contra a qual se insurge o autor”, o que nos leva a concluir que,
na prática o critério para ser contrainteressado é mais amplo que o critério
utilizado pelo STA de que só é contrainteressado quem for prejudicado
diretamente com a anulação do ato adjudicado, estendendo-se a todos aqueles
que, por poderem vir a ver a respetiva situação jurídica definida pelo ato
administrativo, tem o direito de não serem deixados à margem do processo em que
se discute uma questão que lhes diz respeito. Tem de se assegurar que o
processo não corra à revelia das pessoas cuja esfera jurídica o ato
administrativo pode vir a produzir efeitos, ou seja, não há necessariamente um
interesse contraposto ao do autor.
1-
Mário Aroso de Almeida, Manual de
Processo Administrativo, editora Almedina, pág. 256.
2- Estudos
em homenagem ao Professor Marcello Caetano, vol. II, pág. 611 e ss.
3- Mário Aroso de Almeida, Manual de
Processo Administrativo, editora Almedina, 2017, pág. 257
4-
Vasco Pereira da Silva, O Contencioso administrativo no divã da Psicanalise, 2ª
edição, pág. 286
5-
Vasco Pereira da Silva, O Contencioso administrativo no divã da Psicanalise, 2ª
edição, pág. 286
Bibliografia:
- Almeida, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, editora Almedina, 2017, 3ª edição.
- SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, editora Almedina, 2009, 2ª edição.
- VÁRIOS, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano - No Centenário do seu Nascimento - Volume III, editora Coimbra Editora.
Rafaela Silva, nº 26260, subturma 10
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