Sunday, 17 November 2019

Comentário ao Acórdão do TCAS de 23 de outubro de 2014, Proc. 08088/11

    Neste acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) está em causa um recurso interposto no TCA Sul relativamente à decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de, numa das conclusões a que chegou, ter julgado procedente a exceção de incompetência absoluta, no que concerne ao pedido de indemnização por erro judiciário. Na base desta decisão está a invocação pelo recorrente de ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais devido ao adiamento de uma sentença de falência, que considerou que não deveria ter sido proferida, dado que o prazo para a interposição já estava caducado, o que o leva a defender a existência de um erro judiciário.
    Em primeiro lugar, deve-se ter em conta que, em Portugal, estão previstas, além do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, categorias de tribunais, que se concretizam na existência de tribunais judiciais e administrativos, tendo em conta o art. 209.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que resulta numa dualidade de jurisdições. Com base no art. 212.º da CRP, o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior no que concerne aos tribunais administrativos e fiscais.
    Aqui está em causa a análise da competência do tribunal para julgar a causa, sendo que para a aferir tem-se em consideração o art. 5.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que prevê que a competência se fixa no momento da propositura da ação, não relevando as modificações de facto e de direito que possam ocorrer posteriormente. Concretamente, temos uma questão de competência em razão da jurisdição, em que o objetivo passa por determinar quando é que uma ação deve ser proposta junto da jurisdição administrativa e fiscal e não junto dos tribunais judiciais.
    Neste caso, podíamos estar no âmbito do art. 4.º, n.º 1, alínea f) do ETAF, o que se enquadra no contencioso da responsabilidade civil extracontratual. Na alínea f) permite-se a apreciação de casos de responsabilidade civil extracontratual, que resultem da conduta de pessoas coletivas de direito público, sendo que desde a revisão de 2015 os tribunais administrativos têm uma competência genérica para apreciar estas questões. A referência nesta alínea às funções política, legislativa e jurisdicional tem o objetivo de incluir na jurisdição administrativa os danos resultantes do exercício de cada uma destas funções. Neste âmbito, não é relevante saber se esta responsabilidade resulta de uma atuação de gestão pública ou de gestão privada, visto que o ETAF já não utiliza esta distinção como critério de delimitação do âmbito da jurisdição.
    Todavia, no art. 4.º, n.ºs 3 e 4 do ETAF estão previstos litígios que estão excluídos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal. No n.º 3 limita-se o que está previsto no art. 212.º, n.º 3 da CRP, identificando as situações que não têm natureza administrativa. No n.º 4 excluem-se litígios que, caso não fosse esta restrição, tenderiam a estar incluídos. Aqui, pode estar em causa a exclusão do art. 4.º, n.º 4, alínea a) do ETAF, relativamente a ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais de outras ordens de jurisdição, assim como possíveis ações de regresso. No entanto, só relevam para esta exclusão as ações em que esteja em causa um facto ilícito imputado a um juiz no exercício da sua função de julgar, tendo de se estar perante um erro judiciário (é relevante nesta questão o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 21/03/2006, Processo n.º 340).
    Deste modo, partilho da conclusão a que o Tribunal chegou, de que este caso, tal como foi configurado pelo autor, assenta em prejuízos decorrentes de um ato praticado por um juiz de um tribunal judicial no exercício da sua função de julgar, estando em causa uma sentença de falência proferida por um juiz do Tribunal Judicial do Cadaval, ou seja, estamos perante a apreciação de responsabilidade por erro judiciário cometido por um juiz de um tribunal judicial. Assim, com base no art. 4.º, n.º 4, alínea a) do ETAF, esta ação está excluída da jurisdição administrativa, sendo a jurisdição comum competente para a sua apreciação.

Bibliografia
  • ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3º edição, Almedina, 2017.
  • SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2º edição, Almedina, 2013.

João Ferreira, n.º 56927, Subturma 10

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