Sunday, 17 November 2019

Comentário ao Acórdão TCA Sul - Maria Julieta Neves


Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, Processo nº2150/1705BELSB

O presente acórdão irá ser analisado mais significativamente o tocante aos procedimentos de massa.

I – Delimitação do caso
O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) em análise remete ao recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC/L), relativo à exclusão de V. concurso externo do ano escolar 2017-2018.
O Autor (V) pretendia que o TAC/L anulasse o ato de homologação das listas definitivas de colocação e não colocação referente ao concurso externo do grupo de recrutamento 620-Educação Física, anulasse o despacho que indeferiu o recurso hierárquico e, por fim, condenasse o Réu (Ministério Público) a reposicionar o autor no concurso para um dos QZP- quadro zona pedagógica para o qual concorreu. O procedimento de massa insere-se aqui relativamente à questão de contagem de prazos, ainda mais, dado a referência do artigo para uma regulamentação posterior do Governo, é questionada a sua efetividade. Alegando o seguinte:
- que o concurso se regula pelo DL 132/2012 e que, de acordo com o art.15º deste DL que pode ser interposto recurso no prazo de cinco dias úteis;
- que por via do art.97º do CPTA se remete ao art.59º aplicável aos procedimentos de massa; e, portanto, há suspensão do prazo de propositura de ação, por via de impugnação administrativa; de acordo com o art.99º/2 CPTA;
- ainda relativamente ao art.99º não havendo a portaria do Governo, aplica-se subsidiariamente o art.58º, sendo o prazo para impugnação do ato administrativo de três meses;

Por sua vez, o MP apenas se exprimiu no sentido de improcedência deste recurso jurisdicional pela intempestividade da interposição da ação.

II – Decisão do Tribunal
Nesta parte vamos analisar a questão relativamente ao procedimento de massa.
O TCA Sul remeteu aqui para o Acórdão de 19/04/2018, processo nº1549/17.1BELSB deste tribunal, onde a Exma. Procuradora-Geral Adjunta entendeu que o art.99º CPTA é uma nova forma de processo urgente, no domínio dos concursos com mais de 50 participantes, que visa possibilitar respostas céleres através da concentração num único processo, num único tribunal as múltiplas pretensões deduzidas pelos participantes. Quanto à portaria considera que esta apenas acrescentará os articulados, sendo que a sua não publicação é irrelevante para a formalização da ação, que deverá seguir as formalidade e fórmulas já existentes. O prazo para propositura de ação do art.99º/2 será de 1 mês, seguindo, neste ponto, a doutrina de Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha que consideram a Portaria não mais que “uma medida de simplificação processual, que se destina a padronizar a elaboração das peças processuais, permitindo-lhe facilitar a identificação dos processo que incidam sobre a mesma temática e melhor compreender os aspetos centrais que interessa analisar.”
Quanto à contagem de prazo o TCA Sul remeteu para o Acórdão de 13/08/2018, processo nº2157/1702BELSB, também deste tribunal, em que interpretou, com base no art.99º CPTA aplica-se o art.59º/4 CPTA, o prazo de um mês para instauração do processo, suspendido quando o autor fizer uso de meios de impugnação administrativa, retomando o prazo com a notificação de decisão.

III – Doutrina
Começamos por distinguir entre processo de massa e processo urgente de massa, deixando a nota de que estas figuras podem ser combinadas para potencializar os resultados em questões de massa. Os pontos que partilham são, portanto, esta capacidade para lidar com processos de contencioso em massa. O mecanismo dos processos em massa conhecido agora como “seleção de processos com andamento prioritário” tem como objetivo a agregação, numa ação administrativa, de vários processos diferentes que apresentem semelhanças. Um ou vários são escolhidos para servir de processo-piloto (art.48º/8), tendo depois os restantes autores em aceitar a decisão, recorrer ou desistir. É um mecanismo de agilização processual. Por outro lado, o novo processo de massa urgente é um verdadeiro e próprio tipo processual urgente, um meio processual autónomo, que tem como objetivo tramitar um conjunto de pretensões processuais referentes às situações previstas no art.99º/1/al.a) e c), quando se pretende reagir contenciosamente.[1]
Os pressupostos para os procedimentos de massa são, em primeiro lugar, a necessidade que o contencioso diga respeito a um procedimento administrativo com mais de 50 participantes admitidos; em segundo lugar, que o procedimento incida sobre concursos de pessoal, realização de provas e recrutamento.
Na opinião do Professor João Tiago Silveira existem três pontos de maior relevo positivo. Em primeiro lugar, trata-se de um novo instrumento de reação à litigância de massa, tendo em conta que no contencioso administrativo as questões colocadas são semelhantes. Ainda mais, permite um tratamento igual de situações iguais, ou no mínimo semelhantes, sendo resolvidas por um juiz num tribunal opostamente a serem resolvidas por diferentes juízes possivelmente com diferentes soluções. Por fim, o seu propósito de celeridade beneficiando do regime de urgência (art.38º/2 a 4; art.99º/5), ligado ao que foi suprarreferido, decisões judiciais diferentes e possíveis recursos dariam resultado em desperdício de tempo.
Na opinião expressada pelo Professor Vasco Pereira da Silva em aula teórica, este considera que devia haver uma reforma para incluir a diferença entre litisconsórcio necessário e litisconsórcio voluntário, mesmo que incluída numa “reforminha”, pois falta nesta lógica processual a possibilidade de chamamento à demanda.

IV – Conclusões
Na via da opinião de Luís M. Alves a contagem do prazo de interposição do processo contencioso dos procedimentos de massa (art.59º/4 CPTA) tem sido erroneamente interpretada pelos tribunais de círculo, daí o resultado de inúmeros recursos para os tribunais superiores, que, tendencialmente, revogam as decisões de 1ªintância.
No caso o TCA Sul atendeu à suspensão da contagem do prazo contencioso, no seu período procedimental, o que determinou o entendimento da tempestividade da instauração da ação na via jurisdicional.
O uso de um meio de impugnação não deve ser obstáculo ao acesso posterior à tutela jurisdicional, isto levaria a uma diminuição dos direitos dos particulares, quando o que se pretende é maximizar as possibilidades de resolução dos litígios.


Esclarecimento de conceitos:
-Grupo de recrutamento: a estrutura que corresponde a habilitação específica para lecionar no nível de ensino, disciplina ou área disciplinar da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário; (de acordo com MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Decreto-Lei n.o 27/2006 de 10 de Fevereiro)

Bibliografia
ALVES, Luís M., “O Contencioso dos procedimentos de massa: a utilização dos meios de impugnação administrativa sem efeito suspensivo do prazo contencioso?” Revista de direito administrativo, Lisboa, nº6, págs. 94-99, Set-Dez 2019
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo administrativo”, 2ªedição, Coimbra Almedina 2009
SILVEIRA, João Tiago, “Processos em massa e processo urgente para procedimentos de massa na revisão do CPTA” em Estudos em homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira, Coimbra, págs. 595-613, 2017

Elaborado por: Maria Julieta Neves, nº28222, subturma 10, 4TA


[1] Cfr. João Tiago Silveira in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira

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