Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 18/10/2018, Processo nº2150/1705BELSB
O presente acórdão irá ser
analisado mais significativamente o tocante aos procedimentos de massa.
I – Delimitação do caso
O Acórdão do Tribunal Central
Administrativo Sul (TCA Sul) em análise remete ao recurso da sentença proferida
pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC/L), relativo à exclusão
de V. concurso externo do ano escolar 2017-2018.
O Autor (V) pretendia que o
TAC/L anulasse o ato de homologação das listas definitivas de colocação e não
colocação referente ao concurso externo do grupo de recrutamento 620-Educação
Física, anulasse o despacho que indeferiu o recurso hierárquico e, por fim,
condenasse o Réu (Ministério Público) a reposicionar o autor no concurso para
um dos QZP- quadro zona pedagógica para o qual concorreu. O procedimento de
massa insere-se aqui relativamente à questão de contagem de prazos, ainda mais,
dado a referência do artigo para uma regulamentação posterior do Governo, é
questionada a sua efetividade. Alegando o seguinte:
- que o concurso se regula
pelo DL 132/2012 e que, de acordo com o art.15º deste DL que pode ser
interposto recurso no prazo de cinco dias úteis;
- que por via do art.97º do
CPTA se remete ao art.59º aplicável aos procedimentos de massa; e, portanto, há
suspensão do prazo de propositura de ação, por via de impugnação
administrativa; de acordo com o art.99º/2 CPTA;
- ainda relativamente ao
art.99º não havendo a portaria do Governo, aplica-se subsidiariamente o
art.58º, sendo o prazo para impugnação do ato administrativo de três meses;
Por sua vez, o MP apenas se
exprimiu no sentido de improcedência deste recurso jurisdicional pela
intempestividade da interposição da ação.
II – Decisão do Tribunal
Nesta parte vamos analisar a
questão relativamente ao procedimento de massa.
O TCA Sul remeteu aqui para o
Acórdão de 19/04/2018, processo nº1549/17.1BELSB deste tribunal, onde a Exma.
Procuradora-Geral Adjunta entendeu que o art.99º CPTA é uma nova forma de
processo urgente, no domínio dos concursos com mais de 50 participantes, que
visa possibilitar respostas céleres através da concentração num único processo,
num único tribunal as múltiplas pretensões deduzidas pelos participantes.
Quanto à portaria considera que esta apenas acrescentará os articulados, sendo
que a sua não publicação é irrelevante para a formalização da ação, que deverá
seguir as formalidade e fórmulas já existentes. O prazo para propositura de
ação do art.99º/2 será de 1 mês, seguindo, neste ponto, a doutrina de Mário
Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha que consideram a Portaria não mais
que “uma medida de simplificação processual, que se destina a padronizar a
elaboração das peças processuais, permitindo-lhe facilitar a identificação dos
processo que incidam sobre a mesma temática e melhor compreender os aspetos
centrais que interessa analisar.”
Quanto à contagem de prazo o
TCA Sul remeteu para o Acórdão de 13/08/2018, processo nº2157/1702BELSB, também
deste tribunal, em que interpretou, com base no art.99º CPTA aplica-se o
art.59º/4 CPTA, o prazo de um mês para instauração do processo, suspendido quando
o autor fizer uso de meios de impugnação administrativa, retomando o prazo com
a notificação de decisão.
III – Doutrina
Começamos por distinguir entre
processo de massa e processo urgente de massa, deixando a nota de que estas
figuras podem ser combinadas para potencializar os resultados em questões de
massa. Os pontos que partilham são, portanto, esta capacidade para lidar com
processos de contencioso em massa. O mecanismo dos processos em massa conhecido
agora como “seleção de processos com andamento prioritário” tem como
objetivo a agregação, numa ação administrativa, de vários processos diferentes
que apresentem semelhanças. Um ou vários são escolhidos para servir de
processo-piloto (art.48º/8), tendo depois os restantes autores em aceitar a
decisão, recorrer ou desistir. É um mecanismo de agilização processual. Por
outro lado, o novo processo de massa urgente é um verdadeiro e próprio tipo
processual urgente, um meio processual autónomo, que tem como objetivo tramitar
um conjunto de pretensões processuais referentes às situações previstas no
art.99º/1/al.a) e c), quando se pretende reagir contenciosamente.[1]
Os pressupostos para os
procedimentos de massa são, em primeiro lugar, a necessidade que o contencioso
diga respeito a um procedimento administrativo com mais de 50 participantes
admitidos; em segundo lugar, que o procedimento incida sobre concursos de
pessoal, realização de provas e recrutamento.
Na opinião do Professor João
Tiago Silveira existem três pontos de maior relevo positivo. Em primeiro lugar,
trata-se de um novo instrumento de reação à litigância de massa, tendo em conta
que no contencioso administrativo as questões colocadas são semelhantes. Ainda
mais, permite um tratamento igual de situações iguais, ou no mínimo
semelhantes, sendo resolvidas por um juiz num tribunal opostamente a serem
resolvidas por diferentes juízes possivelmente com diferentes soluções. Por
fim, o seu propósito de celeridade beneficiando do regime de urgência
(art.38º/2 a 4; art.99º/5), ligado ao que foi suprarreferido, decisões
judiciais diferentes e possíveis recursos dariam resultado em desperdício de
tempo.
Na opinião expressada pelo
Professor Vasco Pereira da Silva em aula teórica, este considera que devia
haver uma reforma para incluir a diferença entre litisconsórcio necessário e
litisconsórcio voluntário, mesmo que incluída numa “reforminha”, pois falta
nesta lógica processual a possibilidade de chamamento à demanda.
IV – Conclusões
Na via da opinião de Luís M.
Alves a contagem do prazo de interposição do processo contencioso dos
procedimentos de massa (art.59º/4 CPTA) tem sido erroneamente interpretada
pelos tribunais de círculo, daí o resultado de inúmeros recursos para os
tribunais superiores, que, tendencialmente, revogam as decisões de 1ªintância.
No caso o TCA Sul atendeu à
suspensão da contagem do prazo contencioso, no seu período procedimental, o que
determinou o entendimento da tempestividade da instauração da ação na via
jurisdicional.
O uso de um meio de impugnação
não deve ser obstáculo ao acesso posterior à tutela jurisdicional, isto levaria
a uma diminuição dos direitos dos particulares, quando o que se pretende é
maximizar as possibilidades de resolução dos litígios.
Esclarecimento de conceitos:
-Grupo de recrutamento: a estrutura que corresponde
a habilitação específica para lecionar no nível de ensino, disciplina ou área
disciplinar da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário; (de
acordo com MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Decreto-Lei n.o 27/2006 de 10 de Fevereiro)
Bibliografia
ALVES, Luís M., “O Contencioso dos
procedimentos de massa: a utilização dos meios de impugnação administrativa sem
efeito suspensivo do prazo contencioso?” Revista de direito administrativo,
Lisboa, nº6, págs. 94-99, Set-Dez 2019
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso
administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo
administrativo”, 2ªedição, Coimbra Almedina 2009
SILVEIRA, João Tiago, “Processos em massa e
processo urgente para procedimentos de massa na revisão do CPTA” em Estudos em
homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira, Coimbra, págs.
595-613, 2017
Elaborado por: Maria
Julieta Neves, nº28222, subturma 10, 4TA
[1] Cfr.
João Tiago Silveira in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Cândido
de Oliveira
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