Saturday, 16 November 2019


Comentário de Jurisprudência                                              Inês Sofia Oliveira Vilhais

Resumo do acórdão[1]:
Autor, sociedade comercial dedicada à atividade de transporte publico de passageiros – Transportes Sul do Tejo – intentou ação para suspender da eficácia da deliberação da câmara municipal da Moita, que estende o percurso dos transportes coletivos do barreiro [doravante designado TCB], bem como a suspensão de execução do Protocolo de Entendimento para a criação de um serviço de transportes coletivos complementar no Concelho da Moita – protocolo assinado entre o município do Barreiro e município da Moita. O TCA Sul indeferiu a providência cautelar por ter considerado que não estava reunido o requisito do fumus boni iuris.

Inconformada o A. interpôs recurso alegando erro de julgamento da matéria de facto que levou o tribunal a pronunciar-se pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris, assim como a não apreciação do requisito do periculum in mora. Para tal fundamenta que detém vários alvarás [nº: 313; 5948; 6355; 7510] emitidos ao abrigo do regulamento de transportes em automóveis que lhe concede a exploração dos percursos por ele abrangidos e que solicitou à Área Metropolitana de Transportes de Lisboa a manutenção de concessões em carácter de exclusividade. A requerente alega ainda que a operação a realizar pelos TCB foi realizada ao abrigo de um protocolo para o qual os municípios não têm competência material e que implica a realização de percursos coincidentes com o seu trajeto e, praticando os TCB um tarifário inferior ao seu provocaria uma perda de procura por parte dos clientes provocando, consequentemente, perda de rentabilidade que pode ascender aos 450.744,00€ por ano [contabilização do requerente] quando o requerente já se encontra em situação económica difícil. Por fim, menciona-se o interesse privado em conjunto com o interesse publico dos passageiros da margem sul do Tejo pelo facto de estes sofrerem com a supressão das carreiras afetadas.

Regime aplicável:
O processo cautelar vem consagrado no art. 112º CPTA que estabelece uma clausula aberta em consonância com o art. 268º/4 CRP de forma a garantir da forma mais abrangente possível a tutela jurisdicional dos direitos subjetivos dos particulares. Já em 2002 o particular ganhou o direito de pedir a tutela cautelar adequada ao tipo de pretensões deduzidas na ação principal “podendo estas pretensões traduzir-se na adoção de medidas cautelares especificadas no nº2 daquele preceito, admitindo-se ainda que o particular pudesse lançar mão das providencias especificadas previstas no CPC” (Maçãs, 2017).
Com a revisão de 2015, o CPTA alterou para um regime unitário as providências cautelares, o que anteriormente exigia que fosse dada relevância à distinção entre providências conservatórias e antecipatórias, correspondentes a situações em que o interessado pretende manter um direito que se encontra em perigo evitando que ele seja prejudicado por medidas da administração ou a situações em que o interessado pretende obter uma decisão que envolva ou não a prática de atos administrativos, respetivamente. Assim, atualmente, o art. 112º CPTA, no seu número 2, estatui que as providências possam ser típicas no CPC com as adaptações que se justifiquem oferecendo um elenco exemplificativo de ações que o interessado pode intentar com vista a obter uma decisão provisória de proteção dos seus direitos subjetivos.

As providências cautelares caracterizam-se pela sua instrumentalidade, isto é, será auferida a legitimidade para as intentar na medida em que o autor tenha também legitimidade quanto ao processo principal nos termos dos arts. 112º/1 e 113º/1 CPTA, podendo o processo ser intentado como preliminar, em simultâneo ou na pendência do processo principal estando sujeitas a prazos prescricionais específicos [114º/1 e 123º/1/ a),b) ou c) CPTA]. Em decorrência do caráter instrumental da mesma, resulta a sua provisoriedade no sentido de que o tribunal não pode proferir decisão através da providencia cautelar que cabe à sentença no processo principal em resultado da sumariedade que lhe é atribuída. Neste sentido, quando o tribunal verifique a existência de situação que revele especial urgência pode conceder a título provisório a providência por forma a evitar danos na esfera jurídica do requerente nos termos do art. 131º CPTA, que anteriormente à revisão de 2015 era circunscrito a providências destinadas a tutelar direitos, liberdades e garantias que não pudessem ser exercidos em tempo útil em resultado de possível lesão iminente e irreversível (Almeida, 2016).

No caso em apreço, o tribunal administrativo e fiscal de Almada considerou improcedente os pedidos cautelares por não se encontrar preenchido o requisito dos fumus boni iuris, mas também o recurso foi negado com fundamento no não preenchimento do requisito relativo ao periculum in mora tendo em conta a factualidade dada como não provada.  Vejamos, para o decretamento da providencia é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos constantes do art. 120º CPTA: (i) periculum in mora com o acrescento ao «fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação» devendo aferir-se a possibilidade de restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar; (ii) fumus boni iuris ou aparência do bom direito que tem de estar submetido à probabilidade de que a pretensão formulada venha a ser julgada procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do ato ou da norma em causa; (ii) critério da ponderação de interesses, numa exigência próxima ao do CPC aquando da exigência da proporcionalidade, isto é, mesmo que se preencham os requisitos enunciados no numero 1 do presente artigo, o juiz pode ainda assim recusar a providência cautelar com fundamento de que o seu decretamento poderia provocar danos desproporcionados.

Em suma, para o decretamento da providência, os dois critérios importantes para averiguar se a pretensão do requerente é digna de proteção são o fumus boni iruis e o periculum in mora – art. 120º/1 CPTA – ainda assim, segundo um critério de proporcionalidade e adequação o juiz tem duas opções devendo recusar essa proteção ao direito subjetivo do interessado quando, ponderados os interesses públicos e privados em jogo se verifique que a decisão provocaria mais danos do que os que podem resultar da sua recusa ou, por outro lado, como escreve Mário Aroso de Almeida, «O tribunal pode optar pela adoção de uma ou mais providências requeridas  e até, ouvidas as partes, pela adoção de outras em substituição da requerida – concretização do principio da proporcionalidade que implica uma supressão do principio do dispositivo na medida em que desvincula o juiz do principio do pedido, é determinada pelo propósito de permitir ao juiz encontrar  a solução mais adequada à justa composição do litígio evitando situações em que a tutela cautelar teria de ser recusada».

Como estabelece o art. 116º CPTA o requerimento cautelar é objeto de despacho liminar do juiz, é nesse despacho que o juiz verifica se estão preenchidos os pressupostos nos termos do 131º CPTA, se entender assim, o juiz procederá ao decretamento provisório da suspensão de eficácia. Tendo em conta que o caráter sumário acerca da probabilidade da procedência da ação não é compatível com a análise necessária numa ação com esta complexidade, além de que não se encontram provadas alegações que permitam a aparência do bom direito respeitantes a uma possível ilegalidade na celebração do protocolo de entendimento, a providência sempre teria de improceder.

BIBLIOGRAFIA:
Gomes, Carla Amado,” As metamorfoses da justiça urgente: notas breves sobre a reforma do CPTA-2 [link: https://www.e-publica.pt/volumes/v3n1a04.html].

Dias, Sofia, “A aproximação e a articulação entre o código de processo nos tribunais administrativos e o código de processo civil,” in Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 3º edição, 2017.

Maçãs, Fernanda, “o contencioso cautelar”, in Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 3º edição, 2017.

Almeida, Mario Aroso, “Manual de Processo administrativo”, 2º edição, Almedina, 2016.

Silva, Vasco Pereira da, “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as ações no novo processo administrativo”, 2º edição, Almedina, 2013.




[1] Ac. Tribunal Central Administrativo Sul de 02/08/216, processo: 13508/16, disponível para consulta no sitio da internet: file:///C:/Users/RPM/Desktop/Acord%C3%A3o%20do%20Tribunal%20Central%20Administrativo%20CAT.html

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