Comentário
de Jurisprudência Inês Sofia Oliveira Vilhais
Resumo
do acórdão[1]:
Autor,
sociedade comercial dedicada à atividade de transporte publico de passageiros –
Transportes Sul do Tejo – intentou ação para suspender da eficácia da deliberação
da câmara municipal da Moita, que estende o percurso dos transportes coletivos
do barreiro [doravante designado TCB], bem como a suspensão de execução do
Protocolo de Entendimento para a criação de um serviço de transportes coletivos
complementar no Concelho da Moita – protocolo assinado entre o município do
Barreiro e município da Moita. O TCA Sul indeferiu a providência cautelar por
ter considerado que não estava reunido o requisito do fumus boni iuris.
Inconformada
o A. interpôs recurso alegando erro de julgamento da matéria de facto que levou
o tribunal a pronunciar-se pelo não preenchimento do requisito do fumus boni
iuris, assim como a não apreciação do requisito do periculum in mora. Para tal
fundamenta que detém vários alvarás [nº: 313; 5948; 6355; 7510] emitidos ao
abrigo do regulamento de transportes em automóveis que lhe concede a exploração
dos percursos por ele abrangidos e que solicitou à Área Metropolitana de
Transportes de Lisboa a manutenção de concessões em carácter de exclusividade.
A requerente alega ainda que a operação a realizar pelos TCB foi realizada ao
abrigo de um protocolo para o qual os municípios não têm competência material e
que implica a realização de percursos coincidentes com o seu trajeto e,
praticando os TCB um tarifário inferior ao seu provocaria uma perda de procura
por parte dos clientes provocando, consequentemente, perda de rentabilidade que
pode ascender aos 450.744,00€ por ano [contabilização do requerente] quando o
requerente já se encontra em situação económica difícil. Por fim, menciona-se o
interesse privado em conjunto com o interesse publico dos passageiros da margem
sul do Tejo pelo facto de estes sofrerem com a supressão das carreiras
afetadas.
Regime
aplicável:
O
processo cautelar vem consagrado no art. 112º CPTA que estabelece uma clausula
aberta em consonância com o art. 268º/4 CRP de forma a garantir da forma mais
abrangente possível a tutela jurisdicional dos direitos subjetivos dos
particulares. Já em 2002 o particular ganhou o direito de pedir a tutela cautelar
adequada ao tipo de pretensões deduzidas na ação principal “podendo estas pretensões traduzir-se na adoção de medidas cautelares
especificadas no nº2 daquele preceito, admitindo-se ainda que o particular
pudesse lançar mão das providencias especificadas previstas no CPC” (Maçãs, 2017) .
Com
a revisão de 2015, o CPTA alterou para um regime unitário as providências
cautelares, o que anteriormente exigia que fosse dada relevância à distinção
entre providências conservatórias e antecipatórias, correspondentes a situações
em que o interessado pretende manter um direito que se encontra em perigo
evitando que ele seja prejudicado por medidas da administração ou a situações em
que o interessado pretende obter uma decisão que envolva ou não a prática de
atos administrativos, respetivamente. Assim, atualmente, o art. 112º CPTA, no
seu número 2, estatui que as providências possam ser típicas no CPC com as
adaptações que se justifiquem oferecendo um elenco exemplificativo de ações que
o interessado pode intentar com vista a obter uma decisão provisória de
proteção dos seus direitos subjetivos.
As
providências cautelares caracterizam-se pela sua instrumentalidade, isto é,
será auferida a legitimidade para as intentar na medida em que o autor tenha também
legitimidade quanto ao processo principal nos termos dos arts. 112º/1 e 113º/1
CPTA, podendo o processo ser intentado como preliminar, em simultâneo ou na
pendência do processo principal estando sujeitas a prazos prescricionais
específicos [114º/1 e 123º/1/ a),b) ou c) CPTA]. Em decorrência do caráter
instrumental da mesma, resulta a sua provisoriedade no sentido de que o
tribunal não pode proferir decisão através da providencia cautelar que cabe à
sentença no processo principal em resultado da sumariedade que lhe é atribuída.
Neste sentido, quando o tribunal verifique a existência de situação que revele
especial urgência pode conceder a título provisório a providência por forma a
evitar danos na esfera jurídica do requerente nos termos do art. 131º CPTA, que
anteriormente à revisão de 2015 era
circunscrito a providências destinadas a tutelar direitos, liberdades e
garantias que não pudessem ser exercidos em tempo útil em resultado de possível
lesão iminente e irreversível (Almeida, 2016) .
No
caso em apreço, o tribunal administrativo e fiscal de Almada considerou
improcedente os pedidos cautelares por não se encontrar preenchido o requisito dos
fumus boni iuris, mas também o recurso foi negado com fundamento no não preenchimento
do requisito relativo ao periculum in mora tendo em conta a factualidade dada
como não provada. Vejamos, para o
decretamento da providencia é necessário que se verifiquem cumulativamente os
seguintes requisitos constantes do art. 120º CPTA: (i) periculum in mora com o
acrescento ao «fundado receio da
constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de
difícil reparação» devendo aferir-se a possibilidade de restabelecimento da
situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar; (ii)
fumus boni iuris ou aparência do bom direito que tem de estar submetido à
probabilidade de que a pretensão formulada venha a ser julgada procedente, o
que implica a probabilidade da ilegalidade do ato ou da norma em causa; (ii)
critério da ponderação de interesses, numa exigência próxima ao do CPC aquando
da exigência da proporcionalidade, isto é, mesmo que se preencham os requisitos
enunciados no numero 1 do presente artigo, o juiz pode ainda assim recusar a
providência cautelar com fundamento de que o seu decretamento poderia provocar
danos desproporcionados.
Em
suma, para o decretamento da providência, os dois critérios importantes para
averiguar se a pretensão do requerente é digna de proteção são o fumus boni
iruis e o periculum in mora – art. 120º/1 CPTA – ainda assim, segundo um
critério de proporcionalidade e adequação o juiz tem duas opções devendo
recusar essa proteção ao direito subjetivo do interessado quando, ponderados os
interesses públicos e privados em jogo se verifique que a decisão provocaria
mais danos do que os que podem resultar da sua recusa ou, por outro lado, como
escreve Mário Aroso de Almeida, «O
tribunal pode optar pela adoção de uma ou mais providências requeridas e até, ouvidas as partes, pela adoção de
outras em substituição da requerida – concretização do principio da proporcionalidade
que implica uma supressão do principio do dispositivo na medida em que
desvincula o juiz do principio do pedido, é determinada pelo propósito de
permitir ao juiz encontrar a solução
mais adequada à justa composição do litígio evitando situações em que a tutela
cautelar teria de ser recusada».
Como
estabelece o art. 116º CPTA o requerimento cautelar é objeto de despacho
liminar do juiz, é nesse despacho que o juiz verifica se estão preenchidos os
pressupostos nos termos do 131º CPTA, se entender assim, o juiz procederá ao
decretamento provisório da suspensão de eficácia. Tendo em conta que o caráter
sumário acerca da probabilidade da procedência da ação não é compatível com a análise
necessária numa ação com esta complexidade, além de que não se encontram
provadas alegações que permitam a aparência do bom direito respeitantes a uma
possível ilegalidade na celebração do protocolo de entendimento, a providência sempre
teria de improceder.
BIBLIOGRAFIA:
Gomes,
Carla Amado,” As metamorfoses da justiça urgente: notas breves sobre a reforma do CPTA-2
[link: https://www.e-publica.pt/volumes/v3n1a04.html].
Dias,
Sofia, “A aproximação e a articulação
entre o código de processo nos tribunais administrativos e o código de processo
civil,” in Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 3º edição, 2017.
Maçãs,
Fernanda, “o contencioso cautelar”,
in Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 3º edição, 2017.
Almeida,
Mario Aroso, “Manual de Processo
administrativo”, 2º edição, Almedina, 2016.
Silva,
Vasco Pereira da, “O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise – ensaio sobre as ações no novo processo
administrativo”, 2º edição, Almedina, 2013.
[1]
Ac. Tribunal Central Administrativo Sul de 02/08/216, processo: 13508/16,
disponível para consulta no sitio da internet: file:///C:/Users/RPM/Desktop/Acord%C3%A3o%20do%20Tribunal%20Central%20Administrativo%20CAT.html
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