A principal função dos tribunais é afirmar e proteger os
direitos dos cidadãos, contudo, para que essa função seja eficaz tem que haver
uma rápida defesa de direitos ou interesses que, com a habitual demora dos
processos, poderiam ficar irremediavelmente prejudicados.
Para se alcançar uma justa composição dos interesses
públicos e privados envolvidos, é necessário que exista celeridade e prioridade
nos processos, sempre que se pretende uma proteção contra as violações dos
direitos, liberdades e garantias pessoais, tal como prevê o artigo 20.º CRP.
No que toca aos tipos de processo existentes no Contencioso
Administrativo, podemos distinguir entre processos urgentes e processos
não-urgentes, sendo que a presente exposição irá incidir somente sob os Processos
urgentes, considerados processos principais especiais visto que têm como
principal característica a sua celeridade ou prioridade, uma vez que o objetivo
dos mesmos é dar uma resposta célere quanto ao mérito da causa.
Assim, quando
não se verifique uma situação de especial urgência, a ação administrativa será
considerada como não-urgente.
Os processos urgentes têm uma tramitação simplificada para
que se possa ter em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos
protegidos, ou até outras circunstâncias próprias das situações e pessoas
envolvidas.
Os recursos, nos processos urgentes, ficam com os prazos
reduzidos para metade devido às fases processuais serem mais
abreviadas e os prazos mais curtos, como acontece, por exemplo, durante as
férias judiciais em que não há suspensão do prazo, ou como os atos da
secretaria serem praticados no próprio dia havendo precedência destes sob quaisquer
outros. Os processos urgentes têm assim características muito próprias e
distintas dos processos normais.
As Providências Cautelares
Como exemplo de acção administrativa urgente temos as
providências cautelares, em que o requerente pode lançar mão de uma medida
judicial caso tenha um sério receio de que alguém lhe venha a causar uma lesão
grave e dificilmente reparável ao seu direito, ou seja, intenta-se uma acção
principal relativa ao direito acautelado que pode ser instaurada como
preliminar ou incidente dessa acção.
Exemplos deste tipo de acção
administrativa são a fixação de alimentos provisórios, a fixação de uma renda
mensal para reparação provisória de danos ou, em sede de tribunais
administrativos, a suspensão da eficácia de um acto administrativo ou a
intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da
administração.
O procedimento para a aplicação da providência cautelar é
simplificado e tem natureza urgente, pelo que, se o juiz entender que a audição
da parte contra quem é dirigida a ação poria em risco o fim ou a eficácia da
providência, pode dispensar a audição, com vista a assegurar a efectividade do
direito ameaçado.
Critérios de atribuição de providências cautelares são
definidos nos termos do artigo 120º1 e 2 do CPTA, sendo que estes critérios
foram homogeneizados, com a revisão de 2015, deixando o nº1 deste artigo de
estabelecer critérios diferenciados consoante se trata de conceder providências
conservatórias ou providências antecipatórias. ~
Segundo o Professor Mário Aroso
de Almeida[1],
o artigo 120º ficou mais pobre uma vez que se deixou de estabelecer a
diferenciação que no plano substantivo lhe parecia inteiramente fundado.
Quanto às características das Providências Cautelares:
1.
Periculum in mora
É o critério mais importante de que depende a atribuição de
providências cautelares, à luz do artigo120º nº1, devendo as providências
cautelares serem concedidas quando exista o “fundado receio da constituição de
uma situação de facto consumado”, pelo que da conjugação das duas fórmulas[2]
do CPTA resulta uma rejeição a critérios fundados na suscetibilidade da
avaliação pecuniária dos danos, pelo seu caráter variável, aleatório ou difuso,
em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser
considerado irreparável sempre que os fatos concretos por ele alegados permitam
perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração da sua
esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
O critério utilizado não poderá ser o da susceptibilidade ou
não da avaliação pecuniária dos danos mas sim o da viabilidade do
restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não
tivesse tido lugar.
Deverá assim, haver lugar à providência quando, pela mora
do processo, os fatos alegados pelo requerente constituam fundado receio da
produção de “prejuízos de difícil reparação”.
2.
A aparência de bom direito
A atribuição das providências cautelares depende da
avaliação do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer
no processo declarativo, segundo o grau de probabilidade de êxito do
requerente, tendo esta avaliação que ser feita dentro dos limites que são
próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de
fundo que caberá formular no processo principal.[3]
3.
A ponderação de interesses
À luz do artigo 120º nº1 e 2, as providências podem ser
recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em
presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores
àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou
atenuados pela adoção de outras providências”[4].
Assim, para que a providência seja devidamente atribuída não
tem que haver um juízo de valor absoluto sobre a situação, mas sim um juízo
relativo desde que findado na comparação da situação do requerente com as dos
titulares dos interesses contrapostos.
Estes interesses contrapostos exigem que o tribunal proceda
casuísticamente à ponderação equilibrada dos interesses em presença, tendo
sempre em conta os eventuais riscos que a atribuição da providência possa
envolver para os interesses públicos e/ou privados.
Podemos agora, enunciar, quatro tipos de processos urgentes
mais relevantes para o Contencioso Administrativo que se encontram previstos no
Título IV, tendo em conta os artigos 97.º ao 111.º do CPTA, prestando uma especial
atenção ao Contencioso pré-contratual:
·
Contencioso
eleitoral
O processo de contencioso eleitoral é urgente à luz do
artigo 97.º/2 CPTA, seguindo a tramitação da acção administrativa especial,
artigos 78.° ss com as excepções do artigo 99.°CPTA.
A regra geral de impugnação dos actos jurídicos respeitantes ao
processo eleitoral, previsto no artigo 98.º/1 CPTA, determina que os atos
anteriores ao processo eleitoral não podem ser objecto de impugnação autónoma
mas poderá haver excepções, como por exemplo, haver impugnação autónoma dos atos
relativos à exclusão ou omissão da inscrição de eleitores ou elegíveis nos
cadernos ou listas eleitorais, segundo o artigo 98.°/3. O prazo fixado para a
propositura da acção é de sete dias, a contar da possibilidade de conhecimento
do ato ou omissão, à luz do artigo 98.º/2.
Segundo o Professor Vieira de Andrade que faz uma
interpretação correctiva, deve-se considerar impugnável a inscrição indevida de
eleitores e a admissão indevida de candidatos ou de candidaturas, de forma a
tentar uma tempestividade no processo eleitoral.
·
Contencioso
pré-contratual
O Contencioso Pré-Contratual Urgente pode ser definido como
o “sistema de impugnação jurisdicional das normas administrativas reguladoras
de procedimentos pré-contratuais e dos actos administrativos relativos à
formação de contratos da Administração Pública”.
Até 1998, havia muita demora na tomada de decisões
judiciais, pelo que o sistema de contencioso pré-contratual português carecia
de eficácia.
Eram seguidos os regimes gerais da impugnação e recurso
contencioso de atos administrativos, situação que veio a ser alterada pelo DL
n.º 134/98, de 15 de Maio, onde se estabeleceu um contencioso de atos
pré-contratuais mais ágil.
As instâncias comunitárias foram as principais
influenciadoras na emissão deste decreto-lei, pelo que esta alteração foi
vertida para os artigos 100.º a 103.º do CPTA, com a Reforma de 2002, consagrando
agora o atua CPTA, este duplo regime de contencioso pré‑contratual.
A impugnação de atos administrativos praticados no âmbito do
contencioso pré-contratual, são relativos à ação administrativa especial, que
corresponde ao regime dos processos urgentes que dizem respeito à impugnação de
atos relativos à formação dos contratos de empreitada e concessão de obras
públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, sendo também o meio
processual próprio para a impugnação de atos administrativos referente à
formação de todos os outros contratos da Administração, tal como dispões o
artigo 100.º ss CPTA[6],
que se encontram abrangidos por duas Directivas comunitárias, as Directivas do
Conselho n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e n.º 92/13/CEE, de 25 de
Fevereiro, que exigem aos Estados membros a criação de condições para a
celeridade dos procedimentos destes contratos.
Como o contencioso pré-contratual é uma “acção administrativa
especial com tramitação acelerada com prazo de propositura mais curto”, a ação
prevista nos arts. 100.º a 103.º consiste num processo especial de impugnação,
instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da
causa, a que é aplicável a tramitação da ação administrativa especial com a
especificidades de ter um prazo de caducidade mais curto, de um mês a contar da
notificação dos interessados ou da data do conhecimento do ato[7],
artigo 101.º, e tem uma redução de todos os prazos para obter uma tramitação
mais célere.
Contudo, apesar de estarmos perante uma acção urgente, esta
não visa acautelar as garantias dos particulares e o periculum in mora uma vez
que as providências cautelares tutelam com mais eficácia estes objetivos e
permitem impedir a celebração do contrato em causa. Como processo autónomo, o
contencioso pré-contratual tem como principal finalidade acautelar os
interesses na rápida estabilização do procedimento pré-contratual e no início
da execução do contrato.
Cabe porém, fazer uma breve nota relativamente às diretivas
comunitárias porque estas dispõem que a sua a finalidade é a existência de
meios processuais urgentes que garantam a eficácia processual, que se centrem
na tutela de interesses do impugnante, sendo o âmbito do processo urgente
somente aplicado à impugnação de actos relativos à formação de contratos de
empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de
fornecimento de bens que pelo artigo 178.º CPS, são contratos administrativos.
Ora, o Professor Pedro Gonçalves vem dizer que esta opção
legislativa é incorrecta, pois é feita restritamente apenas em função das
estritas exigências impostas pelo direito comunitário, pelo que esta correcção
da lei se encontra fora da competência dos tribunais.
A autora Ana Celeste Carvalho, afirma que através da
aplicação do princípio da adequação formal, o contencioso pré-contratual
deveria abranger atos de conteúdo positivo e negativo, ou os resultantes da
inercia administrativa, porque se assim não for, estes últimos cairão no âmbito
da acção administrativa especial de condenação à prática de ato devido, que se
configura sem carácter urgente.
Assim, estes processos como têm uma tramitação célere, a sua
aplicação deveria ser ampliada e abranger outros contratos que não constam das
referidas directivas comunitárias, que beneficiariam deste regime por se
encontrarem interesses semelhantes em causa.
Quanto aos pressupostos processuais desta acção,
relativamente à competência do tribunal, os tribunais administrativos de
círculo terão competência, exceto quando o autor do ato impugnado seja um dos do
artigo 24,º n.º1 alínea a) do ETAF, sendo que nestes casos, a competência será
do Supremo Tribunal Administrativo.
Quanto à legitimidade, quem sofrer a lesão provocada pelo ato
administrativo pré-contratual terá legitimidade ativa, pertencendo a
legitimidade passiva ao ministério ou entidade pública no seio do qual o ato
tiver sido praticado.
Quanto à admissibilidade da modificação subjectiva da
instância e possível indemnização, dispõem os artigo 45ºnº5, n.º 3 e 4 e artigo
102º nº 4 e 5 do CPTA.
·
Intimação para a prestação de informações,
consultas de processos ou passagem de certidões
Foi constituído como meio acessório com o objetivo à
obtenção de dados no uso de meios de impugnação administrativa e jurisdicional
sendo contudo, utilizado como meio autónomo e até considerado hoje em dia, como
um processo principal, facto a que se deve a uma evolução jurisprudencial e
doutrinal.
Quanto à legitimidade neste âmbito, os titulares do direito
de informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos
administrativos, têm legitimidade ativa, podendo ser usado no âmbito dos
processos impugnatórios (como o Ministério Público) para obter a notificação
integral de um acto administrativo nos termos do artigo 60.º/2 e 104.º/2.
O prazo é de vinte dias
nos termos do artigo 105º e a tramitação do processo e a decisão do mesmo
encontram-se nos artigos 107.º e 108.º.
· Intimação para a protecção de direitos,
liberdades e garantias
A tutela de direitos fundamentais, como os direitos,
liberdades e garantias, faz-se contra atos que traduzem o exercício de funções próprias
do Estado, quer ao nível legislativo, executivo ou judicial e são objetivos de
concretização e imperativos de respeito exigíveis às entidades públicas, ainda
que sob forma privada, tal como dispõe o artigo 18º/1, 2ª parte, da CRP.
A tutela de direitos fundamentais pode ser feita por meios
jurisdicionais (que implicam a criação de vias processuais aptas a defender
posições jurídicas jusfundamentais, a título exclusivo ou complementar) e meios
não jurisdicionais de protecção (que visam assegurar a tutela para posições
jusfundamentais a partir de instâncias não judiciais).
É necessária a emissão célere da decisão de mérito da
Administração de forma a proteger o exercício destes direitos, liberdades e
garantias que é avaliada casuisticamente e, tendo como exemplo a situação de
intimação, o decretamento é a decisão do juiz porque se está perante situações
de elevada urgência relacionadas com a execução dos direitos, liberdades e
garantias, enquantoque a providência cautelar serve fundamentalmente para
assegurar a sentença.
Conclusão
A morosidade da justiça não é uma novidade, tendo tido implicações negativas evidentes no que toca ao funcionamento do sistema judicial e da
sociedade em que vivemos.
A tutela cautelar tem ganhado assim, um crescente
protagonismo na medida em que, cada vez mais, se proclama o princípio da tutela
efectiva como princípio indispensável à realização de uma ponte entre o direito
substantivo e processual.
A garantia da tutela plena e adequada às posições jurídicas
afetadas, pode ser posta em perigo por não haver, por vezes, um processo que
supra as necessidades e interesses dos requerentes de forma célere e adequada,
constituindo-se assim a crise da justiça um dos principais problemas no Estado
de Direito.[8]
A duração do
processo, nomeadamente na fase da instrução, discussão e julgamento do litígio
exigem tempo e reflexão, que deverá ser o mais célere possível para que não
resultem, como consequência, o perigo de inutilidade da sentença por se terem
produzidos danos irreparáveis ou graves às posições carentes de tutela. Este
perigo é exponencializado por força da morosidade patológica dos processos
judicias e a insuficiência crónica dos meios técnicos e humanos disponíveis
para fazer face à demanda da justiça.
A função do processo enquanto instrumento em si é posta em
causa, pois uma justiça lenta e retardada é uma justiça inútil e acaba por não
ser justiça.
Assim, poderemos concluir que a tutela cautelar tem como
principal objetivo a garantia das posições jurídicas carentes de uma resolução urgente
e que seja definitiva, uma antecipação da decisão de mérito.
Mariana Francisco Ferreira, nº28059
Bibliografia
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Almedina
ALMEIDA, Mário Aroso de,
in O novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2007, Almedina
ANDRADE, José Carlos Vieira in A Justiça Administrativa, Lições, 2019, Almedina
CARVALHO, Ana Celeste in A acção de contencioso pré-contratual - perspectivas de reforma, Cadernos de Justiça Administrativa, Justiça Administrativa nº76, Julho/Agosto 2009
CAUPERS, João in Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, setembro de 2013
CUNHA, Ana Gouveia e Freitas
Martins, in A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial, nos
procedimentos de formação dos contratos), Dissertação de mestrado em Ciências
Jurídico – políticas, Lisboa, 2002
GONÇALVES, Pedro in Contencioso administrativo
pré-contratual, Cadernos de Justiça Administrativa, Justiça
Administrativa nº44 Março/Abril 2004
GONÇALVES, Pedro in Avaliação do regime jurídico do
contencioso pré-contratual urgente, Cadernos de Justiça Administrativa,
Justiça Administrativa nº62, Março/Abril 2007
Notas de Rodapé:
[1] ALMEIDA,
Mário Aroso de in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017,
Almedina, P. 456
[2] Da
fórmula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada na
legislação precedente no CPTA e, na presente fórmula que estipula “fundado
receio da constituição de uma situação de facto consumado”
[3] ALMEIDA, Mário Aroso de,
in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017, Almedina, P. 456
a 459.
[4] ALMEIDA,
Mário Aroso de, in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017,
Almedina, P. 461
[6] Este
artigo 100º ss, também se aplica em relação aos atos equiparados a atos
administrativos pré-contratuais que são praticados por sujeitos privados no
âmbito de procedimento pré-contratual de direito público, artigo 100.º/3. Os
documentos contratuais normativos incluem o programa do concurso, o caderno de
encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação
dos contratos do artigo 100.º/1 e 2.
[7] Resulta do Decreto-Lei n.º
134/98 o prazo de quinze dias pra a impugnação, tendo havido um alargamento do
prazo para um mês.
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