Wednesday, 18 December 2019

A urgência na realização da justiça: A importância dos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo

A principal função dos tribunais é afirmar e proteger os direitos dos cidadãos, contudo, para que essa função seja eficaz tem que haver uma rápida defesa de direitos ou interesses que, com a habitual demora dos processos, poderiam ficar irremediavelmente prejudicados.

Para se alcançar uma justa composição dos interesses públicos e privados envolvidos, é necessário que exista celeridade e prioridade nos processos, sempre que se pretende uma proteção contra as violações dos direitos, liberdades e garantias pessoais, tal como prevê o artigo 20.º CRP.

No que toca aos tipos de processo existentes no Contencioso Administrativo, podemos distinguir entre processos urgentes e processos não-urgentes, sendo que a presente exposição irá incidir somente sob os Processos urgentes, considerados processos principais especiais visto que têm como principal característica a sua celeridade ou prioridade, uma vez que o objetivo dos mesmos é dar uma resposta célere quanto ao mérito da causa. 
Assim, quando não se verifique uma situação de especial urgência, a ação administrativa será considerada como não-urgente.

Os processos urgentes têm uma tramitação simplificada para que se possa ter em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos, ou até outras circunstâncias próprias das situações e pessoas envolvidas.
Os recursos, nos processos urgentes, ficam com os prazos reduzidos para metade devido às fases processuais serem mais abreviadas e os prazos mais curtos, como acontece, por exemplo, durante as férias judiciais em que não há suspensão do prazo, ou como os atos da secretaria serem praticados no próprio dia havendo precedência destes sob quaisquer outros. Os processos urgentes têm assim características muito próprias e distintas dos processos normais.

As Providências Cautelares                            
Como exemplo de acção administrativa urgente temos as providências cautelares, em que o requerente pode lançar mão de uma medida judicial caso tenha um sério receio de que alguém lhe venha a causar uma lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, ou seja, intenta-se uma acção principal relativa ao direito acautelado que pode ser instaurada como preliminar ou incidente dessa acção. 

Exemplos deste tipo de acção administrativa são a fixação de alimentos provisórios, a fixação de uma renda mensal para reparação provisória de danos ou, em sede de tribunais administrativos, a suspensão da eficácia de um acto administrativo ou a intimação para a adopção ou abstenção de uma conduta por parte da administração.

O procedimento para a aplicação da providência cautelar é simplificado e tem natureza urgente, pelo que, se o juiz entender que a audição da parte contra quem é dirigida a ação poria em risco o fim ou a eficácia da providência, pode dispensar a audição, com vista a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
Critérios de atribuição de providências cautelares são definidos nos termos do artigo 120º1 e 2 do CPTA, sendo que estes critérios foram homogeneizados, com a revisão de 2015, deixando o nº1 deste artigo de estabelecer critérios diferenciados consoante se trata de conceder providências conservatórias ou providências antecipatórias. ~
Segundo o Professor Mário Aroso de Almeida[1], o artigo 120º ficou mais pobre uma vez que se deixou de estabelecer a diferenciação que no plano substantivo lhe parecia inteiramente fundado.

Quanto às características das Providências Cautelares:
1.          Periculum in mora
É o critério mais importante de que depende a atribuição de providências cautelares, à luz do artigo120º nº1, devendo as providências cautelares serem concedidas quando exista o “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”, pelo que da conjugação das duas fórmulas[2] do CPTA resulta uma rejeição a critérios fundados na suscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu caráter variável, aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os fatos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.

O critério utilizado não poderá ser o da susceptibilidade ou não da avaliação pecuniária dos danos mas sim o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar. 
Deverá assim, haver lugar à providência quando, pela mora do processo, os fatos alegados pelo requerente constituam fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação”.

2.          A aparência de bom direito
A atribuição das providências cautelares depende da avaliação do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo, segundo o grau de probabilidade de êxito do requerente, tendo esta avaliação que ser feita dentro dos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.[3]

3.          A ponderação de interesses
À luz do artigo 120º nº1 e 2, as providências podem ser recusadas “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”[4].
Assim, para que a providência seja devidamente atribuída não tem que haver um juízo de valor absoluto sobre a situação, mas sim um juízo relativo desde que findado na comparação da situação do requerente com as dos titulares dos interesses contrapostos.
Estes interesses contrapostos exigem que o tribunal proceda casuísticamente à ponderação equilibrada dos interesses em presença, tendo sempre em conta os eventuais riscos que a atribuição da providência possa envolver para os interesses públicos e/ou privados.


Podemos agora, enunciar, quatro tipos de processos urgentes mais relevantes para o Contencioso Administrativo que se encontram previstos no Título IV, tendo em conta os artigos 97.º ao 111.º do CPTA, prestando uma especial atenção ao Contencioso pré-contratual:

·         Contencioso eleitoral

O processo de contencioso eleitoral é urgente à luz do artigo 97.º/2 CPTA, seguindo a tramitação da acção administrativa especial, artigos 78.° ss com as excepções do artigo 99.°CPTA.

A regra geral  de impugnação dos actos jurídicos respeitantes ao processo eleitoral, previsto no artigo 98.º/1 CPTA, determina que os atos anteriores ao processo eleitoral não podem ser objecto de impugnação autónoma mas poderá haver excepções, como por exemplo, haver impugnação autónoma dos atos relativos à exclusão ou omissão da inscrição de eleitores ou elegíveis nos cadernos ou listas eleitorais, segundo o artigo 98.°/3. O prazo fixado para a propositura da acção é de sete dias, a contar da possibilidade de conhecimento do ato ou omissão, à luz do artigo 98.º/2.
Segundo o Professor Vieira de Andrade que faz uma interpretação correctiva, deve-se considerar impugnável a inscrição indevida de eleitores e a admissão indevida de candidatos ou de candidaturas, de forma a tentar uma tempestividade no processo eleitoral.

·         Contencioso pré-contratual

O Contencioso Pré-Contratual Urgente pode ser definido como o “sistema de impugnação jurisdicional das normas administrativas reguladoras de procedimentos pré-contratuais e dos actos administrativos relativos à formação de contratos da Administração Pública”.

Até 1998, havia muita demora na tomada de decisões judiciais, pelo que o sistema de contencioso pré-contratual português carecia de eficácia. 
Eram seguidos os regimes gerais da impugnação e recurso contencioso de atos administrativos, situação que veio a ser alterada pelo DL n.º 134/98, de 15 de Maio, onde se estabeleceu um contencioso de atos pré-contratuais mais ágil.
As instâncias comunitárias foram as principais influenciadoras na emissão deste decreto-lei, pelo que esta alteração foi vertida para os artigos 100.º a 103.º do CPTA, com a Reforma de 2002, consagrando agora o atua CPTA, este duplo regime de contencioso précontratual.

A impugnação de atos administrativos praticados no âmbito do contencioso pré-contratual, são relativos à ação administrativa especial, que corresponde ao regime dos processos urgentes que dizem respeito à impugnação de atos relativos à formação dos contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, sendo também o meio processual próprio para a impugnação de atos administrativos referente à formação de todos os outros contratos da Administração, tal como dispões o artigo 100.º ss CPTA[6], que se encontram abrangidos por duas Directivas comunitárias, as Directivas do Conselho n.º 89/665/CEE, de 21 de Dezembro, e n.º 92/13/CEE, de 25 de Fevereiro, que exigem aos Estados membros a criação de condições para a celeridade dos procedimentos destes contratos.

Como o contencioso pré-contratual é uma “acção administrativa especial com tramitação acelerada com prazo de propositura mais curto”, a ação prevista nos arts. 100.º a 103.º consiste num processo especial de impugnação, instituído em razão da urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, a que é aplicável a tramitação da ação administrativa especial com a especificidades de ter um prazo de caducidade mais curto, de um mês a contar da notificação dos interessados ou da data do conhecimento do ato[7], artigo 101.º, e tem uma redução de todos os prazos para obter uma tramitação mais célere.
Contudo, apesar de estarmos perante uma acção urgente, esta não visa acautelar as garantias dos particulares e o periculum in mora uma vez que as providências cautelares tutelam com mais eficácia estes objetivos e permitem impedir a celebração do contrato em causa. Como processo autónomo, o contencioso pré-contratual tem como principal finalidade acautelar os interesses na rápida estabilização do procedimento pré-contratual e no início da execução do contrato.

Cabe porém, fazer uma breve nota relativamente às diretivas comunitárias porque estas dispõem que a sua a finalidade é a existência de meios processuais urgentes que garantam a eficácia processual, que se centrem na tutela de interesses do impugnante, sendo o âmbito do processo urgente somente aplicado à impugnação de actos relativos à formação de contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens que pelo artigo 178.º CPS, são contratos administrativos.

Ora, o Professor Pedro Gonçalves vem dizer que esta opção legislativa é incorrecta, pois é feita restritamente apenas em função das estritas exigências impostas pelo direito comunitário, pelo que esta correcção da lei se encontra fora da competência dos tribunais.

A autora Ana Celeste Carvalho, afirma que através da aplicação do princípio da adequação formal, o contencioso pré-contratual deveria abranger atos de conteúdo positivo e negativo, ou os resultantes da inercia administrativa, porque se assim não for, estes últimos cairão no âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática de ato devido, que se configura sem carácter urgente.

Assim, estes processos como têm uma tramitação célere, a sua aplicação deveria ser ampliada e abranger outros contratos que não constam das referidas directivas comunitárias, que beneficiariam deste regime por se encontrarem interesses semelhantes em causa.

Quanto aos pressupostos processuais desta acção, relativamente à competência do tribunal, os tribunais administrativos de círculo terão competência, exceto quando o autor do ato impugnado seja um dos do artigo 24,º n.º1 alínea a) do ETAF, sendo que nestes casos, a competência será do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto à legitimidade, quem sofrer a lesão provocada pelo ato administrativo pré-contratual terá legitimidade ativa, pertencendo a legitimidade passiva ao ministério ou entidade pública no seio do qual o ato tiver sido praticado.
Quanto à admissibilidade da modificação subjectiva da instância e possível indemnização, dispõem os artigo 45ºnº5, n.º 3 e 4 e artigo 102º nº 4 e 5 do CPTA.

·         Intimação para a prestação de informações, consultas de processos ou passagem de certidões

Foi constituído como meio acessório com o objetivo à obtenção de dados no uso de meios de impugnação administrativa e jurisdicional sendo contudo, utilizado como meio autónomo e até considerado hoje em dia, como um processo principal, facto a que se deve a uma evolução jurisprudencial e doutrinal.
Quanto à legitimidade neste âmbito, os titulares do direito de informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, têm legitimidade ativa, podendo ser usado no âmbito dos processos impugnatórios (como o Ministério Público) para obter a notificação integral de um acto administrativo nos termos do artigo 60.º/2 e 104.º/2.

 O prazo é de vinte dias nos termos do artigo 105º e a tramitação do processo e a decisão do mesmo encontram-se nos artigos 107.º e 108.º.

·        Intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias

A tutela de direitos fundamentais, como os direitos, liberdades e garantias, faz-se contra atos que traduzem o exercício de funções próprias do Estado, quer ao nível legislativo, executivo ou judicial e são objetivos de concretização e imperativos de respeito exigíveis às entidades públicas, ainda que sob forma privada, tal como dispõe o artigo 18º/1, 2ª parte, da CRP.

A tutela de direitos fundamentais pode ser feita por meios jurisdicionais (que implicam a criação de vias processuais aptas a defender posições jurídicas jusfundamentais, a título exclusivo ou complementar) e meios não jurisdicionais de protecção (que visam assegurar a tutela para posições jusfundamentais a partir de instâncias não judiciais).

É necessária a emissão célere da decisão de mérito da Administração de forma a proteger o exercício destes direitos, liberdades e garantias que é avaliada casuisticamente e, tendo como exemplo a situação de intimação, o decretamento é a decisão do juiz porque se está perante situações de elevada urgência relacionadas com a execução dos direitos, liberdades e garantias, enquantoque a providência cautelar serve fundamentalmente para assegurar a sentença.

Conclusão
 A morosidade da justiça não é uma novidade, tendo tido implicações negativas evidentes no que toca ao funcionamento do sistema judicial e da sociedade em que vivemos.
A tutela cautelar tem ganhado assim, um crescente protagonismo na medida em que, cada vez mais, se proclama o princípio da tutela efectiva como princípio indispensável à realização de uma ponte entre o direito substantivo e processual.

A garantia da tutela plena e adequada às posições jurídicas afetadas, pode ser posta em perigo por não haver, por vezes, um processo que supra as necessidades e interesses dos requerentes de forma célere e adequada, constituindo-se assim a crise da justiça um dos principais problemas no Estado de Direito.[8]

 A duração do processo, nomeadamente na fase da instrução, discussão e julgamento do litígio exigem tempo e reflexão, que deverá ser o mais célere possível para que não resultem, como consequência, o perigo de inutilidade da sentença por se terem produzidos danos irreparáveis ou graves às posições carentes de tutela. Este perigo é exponencializado por força da morosidade patológica dos processos judicias e a insuficiência crónica dos meios técnicos e humanos disponíveis para fazer face à demanda da justiça.

A função do processo enquanto instrumento em si é posta em causa, pois uma justiça lenta e retardada é uma justiça inútil e acaba por não ser justiça.
Assim, poderemos concluir que a tutela cautelar tem como principal objetivo a garantia das posições jurídicas carentes de uma resolução urgente e que seja definitiva, uma antecipação da decisão de mérito.

Mariana Francisco Ferreira, nº28059

Bibliografia
 ALMEIDA, Mário Aroso de , in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017, Almedina
ALMEIDA, Mário Aroso de, in O novo regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2007, Almedina
ANDRADE, José Carlos Vieira in A Justiça Administrativa, Lições, 2019, Almedina
CARVALHO, Ana Celeste in A acção de contencioso pré-contratual - perspectivas de reforma,  Cadernos de Justiça Administrativa, Justiça Administrativa nº76, Julho/Agosto 2009
CAUPERS, João in Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, setembro de 2013
CUNHA, Ana Gouveia e Freitas Martins, in A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial, nos procedimentos de formação dos contratos), Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico – políticas, Lisboa, 2002
GONÇALVES, Pedro in Contencioso administrativo pré-contratual, Cadernos de Justiça Administrativa, Justiça Administrativa nº44 Março/Abril 2004
GONÇALVES, Pedro in Avaliação do regime jurídico do contencioso pré-contratual urgente, Cadernos de Justiça Administrativa, Justiça Administrativa nº62, Março/Abril 2007


Notas de Rodapé:


[1] ALMEIDA, Mário Aroso de in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017, Almedina, P. 456
[2] Da fórmula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada na legislação precedente no CPTA e, na presente fórmula que estipula “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado”
[3] ALMEIDA, Mário Aroso de, in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017, Almedina, P. 456 a 459.
[4] ALMEIDA, Mário Aroso de, in Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, 2017, Almedina, P. 461
[6] Este artigo 100º ss, também se aplica em relação aos atos equiparados a atos administrativos pré-contratuais que são praticados por sujeitos privados no âmbito de procedimento pré-contratual de direito público, artigo 100.º/3. Os documentos contratuais normativos incluem o programa do concurso, o caderno de encargos ou qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos do artigo 100.º/1 e 2.
[7] Resulta do Decreto-Lei n.º 134/98 o prazo de quinze dias pra a impugnação, tendo havido um alargamento do prazo para um mês.
[8] CUNHA, Ana Gouveia e Freitas Martins, in A tutela cautelar no contencioso administrativo, Dissertação de mestrado em Ciências Jurídico – políticas, Lisboa, 2002, P. 12 e ss

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