Wednesday, 18 December 2019

Breve Introdução aos Processos Urgentes


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Contencioso Administrativo e Tributário
Ano Letivo 2019/2020


Breve Introdução Aos Processos Urgentes

Os processos urgentes têm um papel fulcral e importantíssimo na ordem jurídica portuguesa, ainda que a sua consagração expressa se tenha dado tardiamente. Podem, inclusive, distinguir-se dois momentos muito distintos: o que precede a reforma administrativa e o que o procede.
Segundo a autora Isabel Fonseca, o momento que precede a reforma é marcado por um sistema unicelular e insuficiente de proteção das situações de urgência, existindo deficiências congénitas da suspensão de eficácia de atos administrativos, tais como, a ausência de tutela cautelar adequada no contencioso de plena jurisdição[1]. A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) não previa suficientes instrumentos equilibrantes do tempo da Administração e dos particulares, existindo desconsideração pelo tempo e alcançando-se um elevado grau de lentidão processual e entorpecimento dos tribunais. A tutela dos particulares era, então, muito lenta e laboriosa, sendo, inclusive um objetivo a superação definitiva do entendimento tradicional do contencioso administrativo como um contencioso limitado[2]. Algumas soluções de harmonização apresentadas pela autora são a criação de centros de arbitragem permanente com funções de conciliação, mediação ou consulta (instrumentos de tratamento de tempo longo) ou admissibilidade de providências cautelares de natureza antecipatória (tempo curto). Existem também instrumentos de tratamento de tempo médio – através da possibilidade da modificação objetiva da instância. Os processos urgentes que ocupam a presente dissertação pertencem aos processos de tempo curto.
Posteriormente à reforma, o sistema tornou-se multicelular, ou seja, aberto, no que concerne à proteção de situações de urgência. Congrega dois géneros de processos urgentes autónomos no Título IV: as impugnações urgentes e as intimações urgentes. As primeiras são processos céleres, de cognição plena acelerada, que desembocam em sentenças de fundo e que transitam com pequenas modificações da legislação anterior para o CPTA. As segundas constituem processos expeditos de condenação.
De tal modo, atualmente, a tutela urgente aproxima-se do mecanismo da tutela cautelar por ambos os processos terem sido concebidos de modo a desencadear respostas rápidas e céleres aos processos. Por outro lado, afasta-se, visto os Processos Urgentes decidirem o fundo da causa enquanto que, por sua vez, os Processos Cautelares apenas o previnem. Encontramo-nos perante pretensões que, na ausência destas formas processuais urgentes, seriam objeto de ação administrativa, desembocando numa decisão de Mérito por parte do Tribunal. O professor Vasco Pereira da Silva é apoiante da distinção aplicada.
Neste seguimento, inserem os professores Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, os processos urgentes na matriz dualista da ação administrativa comum e ação administrativa especial, o âmbito do Princípio da Simplificação da Estrutura dos Meios Processuais de enquadramento constitucional no art.268º/4 da CRP, introduzido pela Revisão Constitucional de 1997 de modo a garantir a “tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos” sendo “o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”.
Existem então diversos exemplos de processos urgentes, encontrando-se o primeiro no artigo 98º do CPTA, referente ao Contencioso Eleitoral. Neste regime estão em causa litígios relativos aos processos eleitorais que a legislação especial não submeta à apreciação do Tribunal Constitucional ou dos tribunais judiciais, de acordo com o art.4º/1/m) do ETAF.
Defende o professor Vasco Pereira da Silva que se tem de admitir outros pedidos além dos pedidos relativos à exclusão dos cadernos eleitorais, podendo haver outras sentenças que não a anulação: a interpretação deve ser realizada de forma corretiva pois não tem a ver com a CRP nem com as outras normas do CPTA. Tornam-se assim admissíveis os pedidos de anulação.
O Legislador da Reforma de 2015 permite a cumulação de pedidos urgentes e principais, permitindo inclusive cumulá-los em conjunto.
 Em termos de Pressupostos Processuais do Contencioso Eleitoral, o art.97º remete para o regime da ação administrativa, sendo aplicável quase todo o regime. A propósito da Legitimidade, apenas o eleitor ou pessoa elegível a têm, admitindo-se a ação pública, mas não a ação popular – tem de se ser eleitor ou pessoa elegível, não podendo ser alguém que não tenha a mínima relação com o caso concreto. Apesar de tal, o art.98º CPTA introduz alguns desvios: desde 2015 que deixou de valer o princípio da impugnação unitária e se afastou o regime do art.51º/3 CPTA.
O prazo é único, independentemente da invalidade alegada, de acordo com o art.98º/2 CPTA, sendo o prazo para o tribunal decidir muito curto. Tal ocorre, pois, havendo um resultado eleitoral, a entrada em função dos órgãos não pode ficar dependente de uma discussão, que poderá ser demorada, em tribunal.
Por sua vez, no processo de Contencioso dos Procedimentos de Massa presente no art.99º CPTA, visa assegurar-se que são intentados dentro do mesmo prazo, (de um mês) no mesmo tribunal, (o da sede da entidade demandada), e submetidos a uma tramitação de urgência os múltiplos processos respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos que podem dar origem a procedimentos relativos a concursos de pessoal, realização de provas de recrutamento, entre outros, com mais de 50 pessoas. Para o professor Vasco Pereira da Silva, denominam-se “processos de massinha” os que têm mais de 20 e menos de 50 pessoas. Tendo procedimento diferenciado e por motivos de celeridade, completude e concentração, decide-se uma ação e inquere-se no final aos restantes se querem aderir à decisão ou se querem uma decisão autónoma.
            Em terceiro lugar avalia-se o processo urgente de Contencioso do Pré-Contratual, exposto no art.100º do CPTA. Aplica-se o presente instituto aos atos administrativos praticados no âmbito do procedimento de formação de determinados tipos de contratos. Através do direito da União Europeia (diretivas comunitárias), introduziu-se o denominado “período de stand still”, em que entre a adjudicação e o momento da celebração do contrato se permite que os eventuais interessados arguam a existência de ilegalidades cometidas durante o procedimento de formação do contrato.
            A Revisão de 2015 veio resolver a questão do eventual não exercício da faculdade de impugnação dos documentos conformadores do procedimento pré-contratual, ou seja, de saber se precludia a possibilidade da impugnação dos atos administrativos que, ao longo do procedimento, viessem a ser praticados, bem como a faculdade de impugnar o ato final. A solução encontra-se consagrada no art.103º do CPTA, apresentando uma solução de não preclusão.
            A propósito, em segundo lugar, das intimações mencionadas no início desta dissertação, a Intimação para Prestação de Informações encontra-se prevista nos artigos 104º a 108º do CPTA. A sua função é dar resposta célere às questões que possam surgir no domínio do exercício dos direitos dos cidadãos à informação e de acesso aos documentos administrativos, segundo o art.268º/1 CRP e artigos 82º a 85º do CPA. De acordo com Vasco Pereira da Silva, foi criado para se obter documentos, mas a jurisprudência alargou o conteúdo da lei, além disso, embora tenha sido criado como processo acessório, tornou-se um processo autónomo, ainda que continue a poder ser usada como processo acessório quando necessário.
Por outro lado, a Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias dos artigos 109º a 111º, resulta e concretiza o art.20º/5 da CRP, porém consiste numa forma de processo de âmbito mais alargado e que pode ser utilizado em todo o tipo de defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias e não só nos de cariz pessoal, como referido pelo artigo supramencionado da Constituição Portuguesa. Existem diferentes interpretações a propósito de tal e da aplicação do regime exposto, como por exemplo: a professora Carla Amado Gomes defende a sua aplicação apenas para Direitos, Liberdades e Garantias de natureza pessoal, avançando que a norma vem concretizar a previsão da CRP neste sentido. Contrariamente, para o professor Vasco Pereira da Silva, os Direitos, Liberdades e Garantias têm um regime que se aplica analogamente a todos os direitos da mesma natureza, logo, aplica-se a outros direitos. Todos são direitos iguais juridicamente, portanto, pode aplicar-se o regime a uma ampla variedade de casos. Assim, a distinção ocorre a nível da natureza de cada direito e não a nível da categoria de direito. Avança ainda que haver previsão genérica não significa que a intimação tenha de a seguir à risca, podendo haver um alargamento. Mário Aroso de Almeida defende igualmente tal tese. No sentido do disposto, intui Vasco Pereira da Silva que se incluem os direitos de natureza análoga ex vi art.17º CRP.
De acordo com a autora Isabel M. Fonseca, para encontrar solução à questão de quais são os pressupostos de admissibilidade do processo urgente a resposta encontra-se não pela avaliação de urgências, mas pelo contraste entre a indispensabilidade de uma decisão de mérito e a apreciação num caso concreto da impossibilidade ou insuficiência de uma qualquer medida cautelar provisória para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
Este género de intimação tem origem no contencioso francês, onde se mantinha o recurso de anulação e, para compensar, havia esta válvula de escape em que o juiz podia condenar a Administração. Encontra-se em causa a possibilidade de reagir contra situações que aconteçam no momento e que, não existindo tal reação, não exista outra possibilidade de reação. Consiste, portanto, numa espécie de habeas corpus no Contencioso Administrativo, tendo sido essa a lógica inicial. Em ultima ratio do sistema faz sentido, aplicando-se às situações que não tenham outra tutela.         
             Dirigindo-se tanto à Administração Pública como a Particulares, é um instrumento que se define pelo conteúdo impositivo da tutela jurisdicional a que se dirige, cobrindo de modo transversal todo o universo das relações jurídico-administrativas. A recusa ou adoção da providência envolve o risco de uma irreversibilidade fáctica, em virtude dos eventuais efeitos materiais que dela decorrem.
            Existe ainda a necessidade de abordar, por último, um aspeto da relação jurídica entre o processo de intimação e o processo cautelar, ou seja, se pode o primeiro ser convolado num processo cautelar. Dispõe-se que, se o juiz considerar que o risco da lesão, que está iminente e é irreversível, de um Direito, Liberdade ou Garantia, mas entende que não se encontra preenchido um pressuposto de que depende a utilização dessa via principal, então deve proceder o mais depressa possível ao decretamento provisório da providência cautelar adequada, convidando o interessado a apresentar o requerimento cautelar necessário, tal como expõe o artigo 110º-A/1 do CPTA. De tal maneira, pode então o juiz decretar logo a providência (segundo o art.110º-A/2) colocando, para alguns autores, em causa o princípio do dispositivo e o princípio do pedido. Para tal matéria importa particularmente o conceito de urgência: com base em ensinamentos da jurisprudência nacional ou estrangeira ou com base em exemplos configurados pelo legislador, identificam-se e sistematizam-se as típicas situações de urgência: as de urgência normal, as de especial-urgência (por serem relativas a “periculum in mora”) e outras de urgência extraordinária. Deste modo, evita-se o uso impróprio de processos cautelares. Logo, apesar de em discussão pública se ter suscitado a questão de saber se não seria contraditório reconhecer caráter urgente a este tipo específico de processos, quando a outros, eventualmente mais lesivos, não é dado o mesmo tratamento, justifica-se alguma parcimónia na administração dos processos urgentes, por forma a assegurar as condições para que, nesses específicos processos, a urgência funcione.
            A nível processual, os processos urgentes têm cinco formas especiais de processo neles previstas, sendo instituídas efetivamente em razão da urgência na obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa, por forma mais célere do que a que resulta da tramitação da ação administrativa. O art.36º/1 do CPTA classifica-as como formas de processo urgente de maneira a lhes serem aplicáveis o artigo 36º/2 e 3 e o artigo 147º do CPTA. Em ações Administrativas Urgentes de Contencioso Eleitoral, Contencioso dos Procedimentos de Massa[3] e Contencioso Pré-Contratual, o modelo de tramitação a seguir é o do Contencioso Eleitoral, portanto, o da ação administrativa, ainda que com algumas especificidades. Deixa de ser possível intentar providências cautelas, existindo apenas a possibilidade de intentar o incidente de adoção de medidas provisórias (como previsto no art.103º-B). Assim, cabe ao juiz decidir, atendendo ao contraditório e à complexidade e urgência do caso, ponderando os interesses em termos paralelos ao dos processos cautelares.
            As intimações dirigem-se à emissão de uma imposição, ou seja, de uma pronúncia de condenação que, com caráter de urgência, é proferida no âmbito de um processo de cognição sumária. O artigo 110º do CPTA configura esta ação de um modo polivalente ou de geometria variável, consoante intervenha num caso de urgência normal, do artigo 110º/1 e 2 do CPTA, ou de especial urgência, artigo 110º/3 do mesmo diploma.    
            Em suma, os processos urgentes atualmente consagrados no CPTA sofreram algumas alterações ao longo do tempo, tendo sido aperfeiçoados de modo a alcançar uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos particulares mais ampla, na medida em que responde mais rápida e prontamente aos casos apresentados, e concreta, adaptando-se às vicissitudes dos vários âmbitos. Ainda que inicialmente se tenha discutido a propósito do carácter urgente (devendo este manter-se restrito a apenas algumas categorias, por se correr o risco de “ao tudo ser urgente, nada ser urgente” nas palavras dos professores Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida), foi esta introdução um grande passo para a abertura do Contencioso Administrativo. Assim, tornou-se possível alcançar a principal finalidade a que este ramo do Direito se destina, sendo esse o claro indício da evolução do Direito.




Bibliografia


- Aroso de Almeida, Mário (2016). Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição. Livraria Almedina, Coimbra

- Carlos Vieira de Andrade, José (2016). A Justiça Administrativa, 2ª Edição. Livraria Almedina, Coimbra

- Freitas do Amaral, Diogo, Aroso de Almeida, Mário (2002). Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra

- Olzabal Cabral, Margarida (2012). Processos Urgentes Principais: em especial, o Contencioso Pré-Contratual in Cadernos de Justiça Administrativa – Braga – nº 94 (Jul-Ago), p-38 a 48

- M. Alves, Luís (2019). O Contencioso dos Procedimentos de Massa in Revista de Direito Administrativo – Lisboa, 2018 – nº6 (Set-Dez de 2019), p.94 a 99




Carolina Matroca Direitinho
Nº56795
Subturma 10 – Turma A


[1] Isabel Celeste M. Fonseca - Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e Estrutura)
[2] Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida - Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo
[3] Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “é para o regime da ação administrativa (…) e, em particular nos artigos 50º e segs. (…), que este artigo 97º remete, a título supletivo, pelo que, na ausência de disposições em contrário nos artigos 98º a 103º-B, esse é o regime aplicável à ação administrativa urgente, tanto em matéria de pressupostos processuais, como de tramitação

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