CONFIGURAÇÃO
DO OBJETO NOS PROCESSOS IMPUGNATÓRIOS
A configuração
do objeto nos processos impugnatórios e a possibilidade de interpretação
subjacentes ao nº2 do artigo 95º do CPTA- regresso dos traumas da infância
I –
Introdução
A função
desempenhada pelo objeto do processo é de trazer a juízo a relação material
controvertida, sendo essencial defini-lo de modo a perceber o estado integral
das questões em litígio. O caso julgado é a consequência do processo, pois
forma-se sobre o objeto do processo.
Neste
campo o Professor Vasco Pereira da Silva faz referência às já conhecidas
conceções substancialistas – que valoriza o pedido como realidade trazida por
parte dos particulares no quadro de uma qualificação feita por si; que se
confronta com a conceção processualista – que atenta maior relevância aos
factos como constituição da causa, visto independentemente de qualificações
feitas. Considera que no âmbito do Processo Administrativo a melhor solução é
conciliar as conceções substancialistas e processualistas e valorizar tanto o
pedido como a causa de pedir.
A doutrina
tradicional do contencioso administrativo, tomando este numa
ótica objetivista, com o objetivo de defesa da legalidade e do interesse
público, dava clara preferência ao pedido em detrimento da causa de
pedir. Esta visão objetivista vigorou em Portugal até à reforma do
contencioso de 2002-2004, que consagrou uma mudança para um
sistema subjetivista, que valoriza os interesses dos particulares, sendo
conferidos os poderes necessários ao juiz para garantir a tutela plena e
efetiva dos direitos dos particulares em concordância com o modelo
constitucional de contencioso de plena jurisdição.
II -
Objeto do processo
Começando
pela configuração do objeto (mediato) dos processos de impugnação entende-se,
tradicionalmente, que este é o ato administrativo impugnado. Mas, na opinião do
Professor Mário Aroso de Almeida, o objeto define-se “em primeira linha, por
referência à pretensão impugnatória que o autor deduz em juízo”. Ou seja, baseia-se
na pretensão do autor que pretende ver fundada a sua pretensão. O autor
acrescenta ainda que o ato administrativo não perde importância devido a esta
classificação, pois continua a ser objeto da anulação ou declaração de
nulidade.
O objeto
é, então, composto pela pretensão deduzida no processo de anulação ou
declaração de nulidade que tem uma dualidade, ou seja, dirige-se à anulação ou
declaração de nulidade do ato impugnado ao mesmo tempo que se dirige ao
tribunal para reconhecimento que a posição da administração era infundada.
Liga-se então à solução preferida para o art.95º/3 CPTA em que o tribunal se
deve pronunciar sobre as causas de invalidade invocadas contra o ato impugnado.
III –
O artigo 95º do CPTA
Para o
Professor Vasco Pereira da Silva no art.95º do CPTA o legislador revela o bom e
o mau do processo administrativo. Por um lado, o legislador valoriza
corretamente a causa de pedir devendo o juiz ocupar-se da globalidade desta. No
artigo temos uma manifestação de um "trauma da infância difícil".
Ora, o legislador, claramente quer dizer é que
o juiz tem de apreciar obrigatoriamente tudo aquilo que o particular leva, a
tal dimensão subjetiva implica que, se o particular por engano só falar em
incompetência, mas havendo factos suficientes para qualificar aquilo que o
legislador enumera e falar em ilegalidade material ou de vício de procedimento
deve o juiz conhecer integralmente aquilo que o particular opôs. Ainda mais, se
o particular negou, não pode o juiz desconsiderar todas as alegações com base
num erro. Como nós é dito no exemplo do Professor Regente num caso de
incompetência: um caso de vício de forma ou vício de procedimento se o juiz
seguisse a fórmula anterior a 2002-2004 havendo ilegalidade ou alguma forma de
incompetência, seria suficiente para não ser dada resposta, o processo seria
anulado, seguia para a administração que corrigia a ilegalidade material, até
que voltasse novamente ao tribunal, ficando o particular 10 anos desprotegido à
espera de resposta.
A lógica do direito administrativo mudou. Aquilo
que agora se aplica é a integralidade da relação material controvertida e tudo envolve
que o juiz conheça até ao fim aquilo que o particular opôs.
Noutra
ótica, Viera de Andrade, nas suas Lições, refere que “a questão principal a
resolver é […], a da “ilegalidade” (ilegitimidade jurídica) do ato impugnado”.
O Autor parece colocar o tónico na questão da ilegalidade, em termos objetivos,
o que se nos afigura coerente com o que, no seguimento do seu texto, vem
afirmar a propósito do conteúdo do art. 95/2 do CPTA – “[…] o juiz tem de
conhecer de todos os vícios invocados no processo, e, além disso, deve
averiguar oficiosamente a existência de ilegalidades do acto
impugnado, em clara derrogação do princípio da limitação do juiz pela causa de
pedir”. Esta posição traria de volta uma perspetiva objetivista do sistema,
afastando, nos processos impugnatórios, não só a lógica subjetivista do 95º/1,
como todo o sistema de contencioso administrativo e constitucional. Uma teoria
que nos faz reviver os tempos da infância difícil da administração. Esta
posição já não se afigura atual após a reforma de 2002-2004.
De outro
ponto de vista, o Professor Mário Aroso de Almeida atenta que quando o
legislador o impõe o dever de identificação por parte do juiz de outras causas
de invalidade não alegadas pelo autor não se está a sagrar só uma situação
de iura novit cura. O autor defende que este artigo deve ser
visto como unificando uma ampliação do objeto que leva a uma maior englobação
dos limites do caso julgado - quanto maior o número de vícios reconhecidos pelo
tribunal, maior será a extensão das preclusões que da sentença se projetarão
sobre o futuro uso do poder pela administração, admitindo-se que o juiz pode e
dever procurar novas causas de invalidade. Tratando-se de questão de
identificação, na situação da vida levado a juízo, de ilegalidades diferentes
das levadas pelo autor. Limita-se a permitir que o juiz aplique norma que o
autor não tenha invocado, ou norma diferente daquela que ele tenha,
erroneamente, indicado, desde que o autor tenha qualificado corretamente a
conduta como ilegal, por referência ao conteúdo material de uma norma efetivamente
existente. Para este autor, o 95º/2 não é uma exceção à limitação do
juiz pela causa de pedir, devendo configurar-se a causa de pedir em termos
unitários, admitindo-se que todas as causas de invalidade de que sofra o ato
integrem uma só causa de pedir. Há aqui uma demarcação da teoria de Vieira
de Almeida, pois apesar de alargar a causa de pedir, isso não implica a omissão
da relação jurídica material nem dos direitos subjetivos do particular. Para
este autor, a causa de pedir configura-se como uma pretensão anulatória que se
reporta ao ato na sua totalidade. Se o processo for julgado improcedente, o
caso julgado constitui um obstáculo de natureza substantiva a que o interessado
volte a impugnar o mesmo ato, invocando causas de invalidade que deveria ter
invocado de início, o que não aconteceu
Porém
para Vasco Pereira da Silva, o alargamento da causa de pedir ligada com as
pretensões das partes não deve levar-nos a esquecer a relação jurídica
material, nem os direitos subjetivos dos particulares que constituem o objeto
processual sempre que estão em causa ações para defesa de interesses próprios.
Não é o ato em si lesivo, mas sim a atuação administrativa. Uma ideia de
direito subjetivo à anulação não parece ser a mais adequada nem conforme aos
sistema português, devido à pouca clareza da diferença entre relação jurídica
substantiva e processual, entre direito de ação e direito subjetivo do
particular.
O
Professor Regente considera que a segunda parte do art.95º/2 é a concretização
do nº1 em que é estabelecido que o “tribunal deve decidir todas as questões
suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha conhecimento oficioso”
caso em que haverá processo total. Esta análise corresponde à visão subjetiva
da lógica relacional, mas diz-se que o juiz deve identificar a existência de
causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, sendo este o ponto
discutido. O que está aqui em causa, não é só identificar a existência de causas
de invalidade, para o professor regente significa que o juiz qualifica os
factos levados a juízo, o juiz conhece o direito e, portanto, se a parte se
enganar a qualificar a situação, se disser que há incompetência e há vício de
forma, se disser que há uma ilegalidade material e é uma ilegalidade formal, o
juiz corrige, não havendo qualquer problema. Tal como se o particular não
alegou integralmente as ilegalidades e não teve alegado elas resultam dos
factos e, portanto, o juiz está em condições de fazer a correção, pode fazê-lo.
O Professor Mário Aroso de Almeida estende a sua perceção, este considera que o
juiz pode suportar factos novos no processo. O Professor Vasco Pereira da Silva
atenta que isso é confundir o papel do juiz, é fazer do juiz uma parte. Isso
viola as regras da separação de poderes.
Bibliografia:
SILVA, Vasco Pereira da, “O Contencioso
administrativo no divã da psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo
administrativo”, 2ªedição, Coimbra Almedina 2009
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo
Administrativo”, 2ª edição, Almedina 2016
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça
Administrativa, Lições, 12ª edição, 2012
AMARAL, Diogo Freitas do; ALMEIDA, Mário Aroso
de, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, 2004
Elaborado por: Maria Julieta Neves, nº28222, subturma 10, 4TA
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