O Código de Procedimento
nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) introduz a figura do
contencioso eleitoral no seu Título III, enquadrado nos processos urgentes. De
acordo com o artigo 36º, número 1, alínea a), os processos relativos a
contencioso eleitoral, com o âmbito definido no CPTA, têm carater urgente: estamos
perante um processo urgente quando é estabelecido, pela lei, um modelo especial
de tramitação. Normalmente, são tramitações simplificadas ou mais urgentes,
onde existe uma maior necessidade de obter uma decisão de fundo sobre o mérito
da causa; apesar do caráter urgente, a tutela concedida é definitiva. Toda a
marcha do processo está, assim, pensada para que as decisões sejam rápidas.
No que ao contencioso eleitoral diz
respeito, estamos perante litígios relativos aos processos eleitorais que
legislação especial não submete à apreciação do Tribunal Constitucional ou dos
tribunais judiciais: tal como nos diz o artigo 4º, número 1, alínea m) do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Assim, o contencioso eleitoral
abrange a impugnação de atos eleitorais ou pré-eleitorais que respeitem a
órgãos de pessoas coletivas de direito público, o que permite excluir do seu
campo de aplicação, por não possuírem o requisito da personalidade jurídica pública,
as instituições de solidariedade social, as pessoas coletivas de utilidade
pública administrativa, as sociedades de interesse público, tal como é
defendido no acórdão
01039/05, de 06-10-2005, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul:
«(…)ficando excluídas as eleições no seio de quaisquer pessoas coletivas
privadas, sejam de interesse público ou de utilidade pública administrativa,
mesmo que exerçam funções públicas.».
Este contencioso abrange matéria
relativa a eleições de órgãos administrativos e não abrange eleições de caráter
político, por estas últimas serem competência dos tribunais judiciais e
supervisionadas pelo Tribunal Constitucional. Estão, desta forma, excluídos os
litígios relativos a todas as eleições que se realizam em Portugal por sufrágio
direto e universal dos cidadãos eleitores, tais como a candidatura e eleição
para Presidência da República; a candidatura e eleição para deputados da
Assembleia da República, das Assembleias Legislativas Regionais e dos órgãos do
poder local; aos deputados ao Parlamento Europeu; os atos da Comissão Nacional
de Eleições ou de outros órgãos da administração eleitoral do Estado e as
eleições realizadas na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas
Regionais, por serem matérias adstritas à jurisdição constitucional (artigo 8º
da Lei do Tribunal Constitucional). Também estão excluídas da jurisdição administrativa
as questões respeitantes às eleições para o Conselho Superior da Magistratura,
por serem competência do Supremo Tribunal de Justiça, como prevê o artigo 145º
da lei nº21/85, de 30 de julho.
Tal como nos diz o acórdão
11467/14, de 16-04-2015, proferido pelo Tribunal Central Administrativo
Sul, também «não se insere no âmbito do contencioso eleitoral a condenação
na abertura de inquéritos com vista à instauração de procedimentos disciplinares,
mesmo que visando intervenientes em processos eleitorais (…)».
Por outro lado, estão incluídos os
litígios relacionados com a eleição dos titulares de órgãos que se realizam no
âmbito de entidades administrativas, isto é, todo o restante contencioso
eleitoral das pessoas coletivas de direito público pertencente à jurisdição dos
tribunais administrativos, do Supremo Tribunal Administrativo ou dos tribunais
administrativos de círculo. Sumariamente, todas as matérias relativas a
instituições públicas, os tribunais administrativos são os competentes.
Através desta limitação negativa e
positiva, a ação impugnatória a que nos referimos apenas pode incidir sobre o
contencioso eleitoral interno das autarquias locais; sobre atos eleitorais ou
pré-eleitorais que envolvam os órgãos eletivos de associações públicas,
institutos públicos e estabelecimentos ou serviços da administração central e,
ainda, sobre o processo de eleição de magistrados para o Conselho Superior do
Ministério Público (à luz da lei nº47/86 de 15 de outubro).
São, portanto, casos respeitantes ao
exercício de poderes de autoridade, consubstanciado na prática ou omissão de
atos jurídicos unilaterais.
No artigo 97º, número 1, alínea a) do
CPTA encontramos: «Regem-se pelo disposto no presente capítulo e, no que com
ele não contenda, pelo disposto nos capítulos II e III do título II: o
contencioso dos atos administrativos em matéria eleitoral da competência dos
tribunais administrativos.» Esta remissão torna aplicável, nos processos
urgentes do contencioso eleitoral, a maior parte do regime da ação
administrativa em matéria de pressupostos processuais.
O modelo de tramitação a seguir no
âmbito dos processos de contencioso eleitoral é, portanto, o da ação
administrativa, que consta do capítulo III do Título II (artigos 78º e
seguintes, do CPTA), com as especialidades que estão previstas no artigo 98º.
Analisando o artigo 98º, o
contencioso eleitoral possui um regime específico de legitimidade ativa. Esta
está circunscrita, à luz do seu número 1 do CPTA, apenas a quem, na eleição em
causa, seja eleitor ou elegível ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas
eleitorais, também pelas pessoas cuja inscrição haja sido omitida. Ao possuir
este regime de legitimidade ativa, afasta, e restringe, a regra prevista no
artigo 55º, no que aos processos relativos a atos administrativos diz respeito.
Atribui-se a legitimidade ativa a quem disponha de capacidade eleitoral ativa
ou passiva para o ato eleitoral em causa e possa invocar um interesse direto e
pessoal na impugnação e, também se atribui, à pessoa diretamente prejudicada
pela exclusão dos cadernos ou listas eleitorais.
O artigo 98º não menciona, mas tem se
admitido na doutrina, apesar de não unanimemente, o exercício da ação pública
por intermédio do Ministério Público na defesa do interesse geral da legalidade,
através da aplicação supletiva do artigo 9º do CPTA, tratando-se de uma modalidade
especial de ação jurídica subjetiva. Pelo contrário, parece ser de excluir a
ação popular.
O artigo 98º, número 1 do CPTA
diz-nos que «os processos de contencioso eleitoral são de plena jurisdição»
significando isto que estes processos urgentes não são meramente cassatórios. O
tribunal não possui apenas poderes de anulação, mas também poderes de
condenação. Resolve em termos definitivos o litígio, admitindo ou excluindo o
interessado cuja inscrição nos cadernos ou listas eleitorais foi posta em
causa, e fixando o resultado eleitoral, ou se for caso disso, determinando a
reformulação do processo eleitoral. O tribunal emite, desta forma, uma sentença
substitutiva ou condenatória, e não apenas anulatória. O juiz tem todos os
poderes e pode, assim, decidir sobre todas as matérias relativas ao contencioso
eleitoral.
No que a este preceito diz respeito,
o Professor Vasco Pereira da Silva considera que o legislador, ao afirmar que o
contencioso eleitoral é um processo de plena jurisdição, torna admissível
admitir outros pedidos, e não apenas os pedidos relativos à exclusão dos cadernos
eleitorais, admitindo outras sentenças que não apenas as de anulação. Este
Professor considera que, por motivos éticos, e através da conjugação do artigo
98º número 1 do CPTA com os artigos 268º, números 4 e 5 da CRP, esta interpretação
corretiva é a mais adequada para compreender esta norma, principalmente tendo
em conta a remissão legal para a aplicação das regras aplicáveis aos processos
principais, designadamente, do contencioso de anulação e de condenação. Isto
significa, à luz desta posição, que podem haver pedidos de anulação, pedidos de
simples apreciação e pedidos de condenação. Ou seja, o Professor considera que
o tribunal não está limitado nos seus poderes pela letra da lei.
Para mais, o
acórdão 01564/06, de 11-05-2006, proferido pelo Tribunal Central
Administrativo Sul, «vigora o princípio da impugnação unitária, o que
significa que as ilegalidades do procedimento de formação e constituição do
processo eleitoral podem ser impugnadas, aquando do ataque do ato final de homologação
da eleição.»
No que aos prazos diz respeito, «na
falta de disposição especial, o prazo de propositura da ação é de sete dias a
contar da data em que seja possível o conhecimento do ato ou da omissão»,
dispõe o artigo 98º, número 2. Este prazo vale tanto para as ações dirigidas à
anulação como para as ações de declaração de nulidade do ato impugnado.
Trata-se de um prazo regra, quando o regulamento eleitoral que regule a eleição
em causa não estabeleça expressamente um prazo diferente. A contagem inicia-se
com a afixação do edital que publicite os cadernos ou os resultados da eleição
ou com o mero conhecimento pessoal quando o interessado pertença à comissão ou
ao colégio eleitoral e tenha presenciado as operações de elaboração dos
cadernos e das listas ou de apuramento dos resultados. Sendo processo urgente,
os prazos correm mesmo em férias judiciais, tal como prevê a lei processual
civil, aplicável face ao disposto no artigo 1º e ao disposto no artigo 36º,
número 2, ambos do CPTA. Relativamente aos recursos, os prazos para processos
urgentes, inclusivamente para o contencioso eleitoral, são reduzidos, como
demonstra o artigo 147º do CPTA. Os prazos são muito curtos devido à urgência
do processo. Ao se tratar de um processo eleitoral, os órgãos administrativos
não podem ficar dependentes da discussão de um resultado.
Os atos suscetíveis de impugnação são
os relativos ao ato eleitoral propriamente dito e os atos que impliquem a
exclusão ou omissão nos cadernos eleitorais. A impugnabilidade dos atos é
limitada na medida em que, com exceção dos atos relativos à exclusão ou omissão
de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais, não é admitida a impugnação
de atos anteriores ao ato eleitoral, ou seja, de atos inseridos no procedimento
que não sejam o respetivo ato final relativo ao apuramento de resultados. Fica
assim afastado o princípio geral previsto no artigo 51º, número 1 do CPTA, que
possibilita a impugnação de atos procedimentais que possuam eficácia externa. Está,
assim, aqui presente o princípio da impugnação unitária, demonstrando-se a
regra da definitividade horizontal (artigo 98º, número 3 do CPTA). Aplica-se,
no entanto, o critério de obrigatoriedade de impugnação autónoma da exclusão ou
omissão dos cadernos ou listas eleitorais, visto que para os interessados
diretamente prejudicados esse constitui já o ato final do procedimento,
impedindo-os de participar na eleição.
Bibliografia
Almeida,
M. A. (2019). Manual de Processo Administrativo. Almedina.
Cadilha, C. A. (2006). Dicionário de Contencioso
Administrativo. Almedina.
Mário Esteves de Oliveira, R. E. (2004). Código
de Processo nos tribunais administrativos. Almedina.
Maria Flamino Cabeça, aluna nº 27898
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